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Uma ficção sobre pessoas que comem do lixo, pode ser também uma denúncia. Porém, com o documentário, você trata com pessoas reais que estão comendo comida do lixo, não são atores, são realmente pessoas que vivenciam aquela situação ”

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João de Lima 

PEDRO SANTOS EM REUNIÃO COM ALUNOS NO NUDOC

Revista digital sobre o Terceiro Ciclo de Cinema Paraibano, ocorrido no Estado da Paraíba entre os

anos de  1979 e 1985. A revista Bitola-8, orientada pelo professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Pedro Nunes Filho, foi desenvolvida para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social - UFPB

QUEM ESCREVE

Elaborada pelos futuros jornalistas Arthur Morais e Jéssica Sales, o trabalho desenvolvido na revista Bitola-8 permitiu explorar três paixões em comum aos dois estudantes: revistas, jornalismo cultural e cinema.

Confira uma seleção de artigos, dissertações e livros online que abordam o Terceiro Ciclo de Cinema da Paraíba.

Universidade Federal da Paraíba 

Centro de Comunicação Turismo e Artes

Departamento de Jornalismo

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Banca Examinadora: 

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Professor Phd Pedro Nunes Filho

Professor Dr. Bertrand de Souza Lira

Professor Me. José Everaldo de Oliveira Vasconcelos 

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A Movimentação Cinematográfica da Paraíba com a Chegada da Super-8 

por, Jéssica Sales  

Na época da instauração do Ato Institucional nº 5 (AI-5), considerado o momento mais difícil do regime militar brasileiro, a produção cinematográfica paraibana estava em baixa. Havia uma série de ações opressoras por parte do governo militar, dentre elas, plenos poderes aos governantes para punir aqueles que fossem contrários ao regime. Os artistas eram forçados a se adequarem às diretrizes impostas pela censura se quisessem produzir. A repressão, associada aos custos para realização das obras em câmeras de 35mm e 16mm - considerados equipamentos profissionais -, tornaram inviáveis a produção cinematográfica.

 

Nesse contexto político e economicamente delicado, o Super-8 chegou ao Brasil, em 1968, com seu processo de produção simples, que permitia o manuseio por qualquer pessoa. Com a facilidade associada ao baixo custo, o Super-8 foi a câmera que reorientou o fazer cinematográfico na Paraíba, reforçando a agitação cultural, junto aos poetas, grupos teatrais e a imprensa alternativa, que passaram a ocupar outros espaços na produção artística e intelectual.

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Mesmo sendo um equipamento inicialmente destinado ao uso doméstico, a mini-bitola dispunha de um sistema integrado de som e imagem, o que proporcionou aos cineastas recursos básicos para retomar o trabalho cinematográfico no Estado com suas criações. Em 1973, surgiam as primeiras películas paraibanas com a Super-8, assinadas por pessoas que já tinham experiência em 16mm ou que tinham envolvimento com a sétima arte. A produção inicial era composta de filmes de cunho documental, dado o histórico de sucesso da Paraíba em obras deste gênero, como Aruanda (1960), de Linduarte Noronha e O país de São Saruê (1971), de Vladimir de Carvalho.

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No final da década de 1970, Pedro Nunes e João de Lima, então graduandos no Curso de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), estavam inquietos por causa de uma matéria no jornal universitário Questão de Ordem, que tratava dos problemas enfrentados por uma comunidade pessoense que vivia dentro do Lixão do Roger (depósito de lixo desativado em 2003). Na intenção de refletir a situação daqueles moradores, os estudantes filmaram Gadanho (1979).

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De acordo com professor e pesquisador João de Lima, a opção pelo gênero documental se deu por dois motivos: primeiro, a relevância histórica que a Paraíba tem na produção de documentários e pela facilidade de se produzir com os recursos que dispunham no momento - basicamente uma câmera Super-8. “Uma ficção sobre pessoas que comem do lixo, pode ser também uma denúncia. Porém, com o documentário, você trata com pessoas reais que estão comendo comida do lixo, não são atores, são realmente pessoas que vivenciam aquela situação ”, comenta.

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Assim, despretensiosamente, os realizadores de Gadanho deram o pontapé inicial ao que ficaria conhecido como o Terceiro Ciclo de Cinema Paraibano, um surto cinematográfico marcado pelo uso predominante da câmera Super-8. 

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VII Jornada Brasileira de Cinema da Bahia 

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Inicialmente apoiada pela Universidade Federal da Bahia, sede de suas edições anteriores, a VIII Jornada Brasileira de Cinema da Bahia, por motivos institucionais internos, não pôde ser realizada em seu estado de origem. Excepcionalmente no ano de 1979, o evento foi transferido para a Paraíba. De acordo com João Lima, “a Paraíba tinha toda uma história com relação ao cinema, pessoas que trabalhavam na área de cinema e de literatura. Já tinha um museu de som e imagem ligado a um projeto de extensão”.

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A quantidade de entidades envolvidas na realização do evento, que ocorreu no Campus I da UFPB, reflete a importância da vinda da Jornada para o cinema paraibano. Dentre elas, destacavam-se a própria UFPB, representada pela pró-reitoria de assuntos comunitários, o Ministério da Educação e Cultura, a FUNARTE, a Embrafilme, o Itamarati e o Governo do Estado da Paraíba.

 

Com todos os olhos voltados para a Paraíba, um grupo de cineastas viu nesse grande encontro a oportunidade de reacender a chama das produções locais. Assim, foi proposta uma reunião entre o então reitor da UFPB, Lynaldo Cavalcanti, o governador do Estado, Tarcísio Burity e o diretor geral da Embrafilme, com a intenção de reivindicar apoio à produção cinematográfica da Paraíba. O fruto dessa reunião resultou na criação do Núcleo de Documentação Cinematográfica (NUDOC). Já nesse período, a Oficina de Comunicação da UFPB desenvolvia atividade de cinema.

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Com a criação da Oficina de Comunicação, vinculada ao Curso de Comunicação Social da UFPB, a partir do ano de 1979, além dos grupos de estudos envolvendo o tema comunicação e realidade brasileira, havia um outro dedicado à sétima arte, onde se discutia o próprio fazer cinematográfico, a implementação de mostras de cinema, a circulação de filmes (cinema ambulante) e o trabalho de animação cultural, que estava associado a circulação de filmes e debates em torno das obras exibidas.

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 A Oficina de Comunicação também se encarregou do processo de editoração da revista Cadernos de Comunicação e Realidade Brasileira que continha artigos sobre cinema e entrevistas e com a editoração da revista Plano Geral (1981), que incluia uma reflexão em torno do cinema paraibano. Esse setor da UFPB auxiliou diretamente no processo de produção de quase todos os filmes de Cinema Indireto através de mecanismos de colaboração entre os próprios realizadores. Por fim, o grupo de cinema da Oficina de Comunicação era constituído por alguns dos integrantes do Cinema Direto, jovens de vários cursos, professores, servidores e pessoas vinculadas ao Cinema Direto e Indireto. O processo de circulação de filmes era muito forte no NUDOC e se amplificava com as mostras.

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O NUDOC e a retomada da produção local

 

Além da criação do núcleo, os cineastas foram beneficiados com a aquisição de materiais para produção audiovisual: uma câmera em 16mm, outra Super-8, projetores, editores e gravadores - custeados pela Universidade e pelo Comitê do Filme Etnográfico de Paris, representado por Jean-Rouch e pelo cineasta Jacques D’Arthuys, que durante a Jornada, acertaram um convênio para criação de um Atelier de Cinema Direto no campus de João Pessoa.

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O NUDOC marcou o início de uma nova geração de cineastas paraibanos, que começaram a produzir junto com a sua criação, e apresentou a esses novos realizadores a história do cinema paraibano, juntamente com as produções realizadas anteriormente; um embasamento teórico sobre os ciclos passados. â€‹O professor do curso de Artes Cênicas da UFPB e pesquisador Everaldo Vasconcelos afirma que todos os alunos que, juntamente com ele, circularam pelo NUDOC e fizeram os cursos, receberam da geração anterior de cineastas a missão de continuar a produção de cinema no Estado. 

 

Os professores do Curso de Comunicação, veteranos do cinema paraibano, lutaram pela implantação do Núcleo. Everaldo Vasconcelos relembra um dos nomes mais importantes para o desenvolvimento do NUDOC: o músico, compositor, educador de cinema e participante do movimento cineclubista, Pedro Santos.

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Dentre os diversos benefícios proporcionados pelo NUDOC à Universidade e ao cinema paraibano, destaca-se a criação de um estágio na França para os alunos do Curso de Comunicação Social.

 

No ano de 1981, após voltarem de uma visita ao Centre de Rochercheet Formationau Cinema Diret de Paris, que oferecia formação em cinema documental no estilo direto, os professores Pedro Santos e Jurandir Moura deram início ao primeiro estágio de realização de documentários em estilo direto, em associação com o Ateliê Varan.

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A técnica Cinema Direto consiste em ligar a câmera e tentar interferir o mínimo possível na realidade ao documentá-la. A Super-8 potencializou esse processo, proporcionando ao realizador maior mobilidade e praticidade, uma vez que este equipamento era capaz de registrar som e imagem simultaneamente.

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Entre os participantes desse estágio promovido pelo NUDOC, estavam o cineasta Marcus Vilar e os professores Henrique Magalhães e Bertrand Lira. Segundo eles, a experiência foi muito produtiva, pois a praticidade do curso e o acesso a recursos, na época, escassos na Universidade, permitiram uma vivência e aprendizado de grande relevância. Ainda, o acesso a um acervo histórico e o contato com técnicas e equipamentos adequados foram um diferencial que repercutiu positivamente em suas vidas acadêmicas e profissionais.

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Os estágios ocorreram durante o período de três anos, de 1981 a 1983. Cada ano, marcado por produções de temáticas bastante pertinentes. No primeiro ano, foi realizado A Seca (1981), de Torquato Joel, filme que conta a história de uma família do interior do Ceará, na bacia de Orós, na época da grande estiagem, e com esse núcleo familiar, o realizador mostra os problemas da emigração causada pela seca. O destaque vai para um personagem peculiar: um barbeiro que tem seu sustento através da troca de mercadorias. A partir desses elementos, é possível observar que, na fase inicial do Terceiro Ciclo de Cinema, os produtores estavam preocupados em relatar a figura social do homem enquanto ser oprimido.

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O segundo momento do estágio teve entre seus principais títulos, o filme Do Oprimido ao Encarcerado (1982), de Marcos Vilar, e Perequeté (1981), de Bertrand Lira. O primeiro foi feito a partir da dissertação de mestrado da professora Maria Salete, baseada na metodologia freiriana. Marcos Vilar realizou um documentário sobre a vida dos presidiários em João Pessoa, contando com um elemento importante: a colaboração dos próprios detentos. Já o segundo, enfatiza os conflitos pessoais do ator e dançarino Francisco Marto, que através de seu trabalho na arte lutava contra o preconceito aos artistas, maquiando um verdadeiro repúdio da sociedade da época à livre orientação sexual.

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Durante o último ano de estágio, fugindo da abordagem sociológica dos dois primeiros anos, figuram as obras Sonho de Estrela (1983), de Eliezer Rolim, e Música sem preconceito (1983), de Alberto Júnior. O filme de Eliezer Rolim retrata a vida de uma jovem cantora do interior sem perspectiva de profissionalização, cuja frustração por não poder ser famosa a faz questionar suas capacidades. Ainda no viés musical, a película de Alberto Júnior mostra o rock and roll como forma de interação entre os jovens da classe média alta do bairro de Tambaú, no litoral de João Pessoa.

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Cinema profissional ou experimento cinematográfico?

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Paralelo ao notável estímulo à produção cinematográfica paraibana, proveniente tanto da criação do NUDOC, quanto da associação ao Ateliê Varan e as vantagens técnicas e econômicas de se utilizar os equipamentos Super-8, surgia, por parte dos integrantes do Segundo Ciclo de Cinema, uma onda de questionamentos quanto ao profissionalismo das novas obras. As críticas baseavam-se no argumento de que a câmera Super-8, por ser um equipamento amador, era antes de qualquer coisa um experimento.

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Os cineastas da década de 1960, que chegaram a obter reconhecimento nacional por suas produções em 35mm e 16mm, se posicionavam contra a utilização do Super-8. Segundo Henrique Magalhães, os cineastas da geração anterior defendiam que as obras filmadas com a mini-bitola e o Cinema Direto eram irrelevantes, classificavam a Super-8 como “uma bitola amadora que não tinha como circular nos cinemas [...]”. Para eles, “isso aí era uma brincadeira”.

 

João de Lima relata que havia também um quê de resistência por parte desse grupo de cineastas, que “já estava com seus cinquenta anos, então eles achavam que era um retrocesso mexer com super-8”.

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Do outro lado, nomes como do professor Pedro Santos, mesmo pertencendo à geração predecessora, viu na utilização da Super-8 e do Cinema Direto, uma oportunidade de expansão da produção do cinema paraibano, uma vez que naquele momento muita gente havia entrado para o ramo das filmagens. Foi notável uma sensação de deslocamento dos cineastas tradicionais após o surgimento desse elemento novo que era a Super-8.

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Atualmente coordenador do NUDOC, João de Lima conta que existe uma grande diferença entre as gerações pertencentes ao Segundo e ao Terceiro Ciclo: o cinema da década de 1960 focava muito na realidade do homem do sertão, distante da realidade do realizador. Com a chegada do Cinema Direto, as temáticas abordadas passam a fazer parte do cotidiano de seus produtores e na época era muito mais estimulante produzir, já que havia acesso a recursos e equipamentos. 

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Parte dessa represália ao movimento apontava para “falta de profissionalismo”, e abordagem documental mais humanitária do Cinema Direto. O que causou certo descontentamento na geração Aruanda foi o caráter experimental das produções com o uso da Super-8. Apesar disso, houve uma grande quantidade de obras – cerca de 25 ao longo dos três estágios, somente pelo NUDOC, -  número nunca antes visto nos anos anteriores. O surto de produção abriu espaço para abordagem de temas que antes não tinham vez nem voz, como o retrato das classes minoritárias, da sexualidade, das questões de gêneros e da homossexualidade.

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FONTES 


AMORIM, Lara; FALCONE, Fernando Trevas (Orgs.). Cinema e Memória - O super-8 na Paraíba nos anos de 1970 e 1980. ed. UFPB, João Pessoa. 2013.


GOMES, João de Lima. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 01 de abr. 2016.

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JOEL, Torquato. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 23 de mar. 2016.

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MAGALHÃES, Henrique. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 23 de mar. 2016.

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NUNES, Pedro. Violentação do Ritual Cinematográfico: Aspectos do cinema independente na Paraíba – 1979-1983. São Paulo. 1988. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) Universidade Metodista de São Paulo.

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VASCONCELOS, Everaldo. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 08 de abr. 2016.

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VILAR, Marcus. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 08 de abr. 2016.
 

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