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CONTRA CAMPO

Eu vejo essa animação cultural como um projeto muito intencional, e não apenas como uma missão pedagógica, mas como um trabalho maior de dinâmica dentro da comunidade. O importante é fazer justificativa à história"

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Jomard Muniz de Britto 

PEDRO NUNES DURANTE O LANÇAMENTO DE CLOSES (1982)

Revista digital sobre o Terceiro Ciclo de Cinema Paraibano, ocorrido no Estado da Paraíba entre os

anos de  1979 e 1985. A revista Bitola-8, orientada pelo professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Pedro Nunes Filho, foi desenvolvida para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social - UFPB

Elaborada pelos futuros jornalistas Arthur Morais e Jéssica Sales, o trabalho desenvolvido na revista Bitola-8 permitiu explorar três paixões em comum aos dois estudantes: revistas, jornalismo cultural e cinema.

QUEM ESCREVE

Universidade Federal da Paraíba 

Centro de Comunicação

Turismo e Artes

Departamento de Jornalismo

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Banca Examinadora:

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Professor Phd Pedro Nunes Filho

Professor Dr. Bertrand de Souza Lira

Professor Me. José Everaldo de Oliveira Vasconcelos 

O cinema paraibano vivenciou, no início da década de 1980, um período muito fértil em sua produção. Das filmagens às exibições, houve uma movimentação intensa entre os realizadores e o público, de maneira estimulante para ambos, durante pelo menos cinco anos. O fato da expressão cultural cinematográfica estar em alta, no período, desencadeou desdobramentos favoráveis à toda a comunidade.

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No referido momento, os filmes em Super-8 na Paraíba estavam em alta, sobretudo pela facilidade de manuseio dos equipamentos e também pelos incentivos que os realizadores receberam de diversas instituições, como a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) - através do Núcleo de Documentação Cinematográfica (NUDOC), do Curso de Comunicação Sociala, da Oficina de Comunicação e do programa Bolsa Arte; e a escola de documentários francesa Varan.

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As obras realizadas em Super-8 tiveram relevância não só no meio acadêmico, mas também fora dele, por meio das exibições cinematográficas organizadas por seus realizadores (intervenções sociais), oferencendo ao espectador uma melhor compreensão de sua realidade, estimulando seu senso crítico e capacidade de formar opiniões sobre as questões abordadas nos filmes.

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Essas produções se diferenciavam por chegar a uma parte do público que normalmente não teria acesso ao cinema convencional, uma vez que eram exibidos em escolas, associações de moradores, sindicatos, periferias das zonas urbana e rural, enfim, espaços destinados à comunidade. Somando-se a isso o fato de os temas abordados serem bastante próximos à realidade do realizador, criou-se um intenso debate acadêmico em torno dessa agitada movimentação cultural, que resultou em seminários, palestras, cursos, redação de artigos e manifestos.

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Após as exibições, os produtores tinham a oportunidade de dialogar diretamente com o público. Os debates contavam com a presença da comunidade e das pessoas que participaram da realização dos filmes ou de agitadores culturais.

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Num circuito paralelo à divulgação comercial, a disseminação das datas, horários e locais acontecia através dos próprios realizadores: eles mesmos buscavam os espaços para exibições e cuidavam da divulgação, que se davam através de anúncios em jornais, panfletos, manifestos, anúncios em salas de aula da universidade e das escolas. Além do contato direto com a associação de docentes, partidos políticos e projetos sociais.

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Os referidos cineastas contavam com o apoio dos seguintes orgãos:  NUDOC/UFPB, oficina de comunicação, do Curso de Comunicação Social da UFPB, curso de comunicação social da Urne (atual UEPB), que contribuíram com o empréstimo de equipamentos, doação de filmes e atividades de extensão que envolviam a  promoção do cinema itinerante.

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O programa Bolsa Arte da UFPB também teve um papel de destaque no sentido de subsidiar o processo de formação de vários jovens do Terceiro Ciclo de Cinema na Paraíba, sobretudo na sua fase inicial. O pesquisador e profesor da UFPB Pedro Nunes conta que já em 1979 ele organizou, junto com Gutemberg de Pádua, a Mostra Arte Nova PB, com apoio do referido programa; além da Mostra, o Bolsa Arte também apoiou os curtas Gadanho (1979) e Imagens do Declínio - Beba Coca Babe Cola (1980).

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No âmbito educacional, o cinema paraibano também atuava como recurso na formação social dos estudantes. Como relata o professor emérito da UFPB, poeta e cineasta, Jomard Muniz de Brito, em entrevista a Pedro Nunes (que pode ser lida na íntegra na seção Pontos de Vista): "eu vejo essa animação cultural como projeto muito intencional, e não apenas como uma missão pedagógica, mas como um trabalho maior de dinâmica dentro da comunidade. O importante é fazer justificativa à história", declarou.

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Os cineclubes

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Espaço de pluralidade cultural, aonde as pessoas iam para ver filmes, se informar, trocar ideias e ter um convívio social, os cineclubes são importantes para circulação da produção não comercial e responsáveis por agitar o cenário cultural, junto a outros movimentos de contestação durante a época do regime civil-militar.

 

O movimento cineclubista nasce com intuito de questionar os moldes instaurados pela indústria cinematográfica na estética, na economia e na relação do espectador com o filme, transformado em produto comercial e em veículo de alienação e dominação.

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Antes da década de 1980, a Paraíba já tinha uma tradição do movimento cineclubista. No início da década de 1950, os primeiros entusiastas dos cineclubes era um grupo formado por jovens, entre eles, Linduarte Noronha, Vladimir Carvalho e Wills Leal – liderados por José Rafael de Menezes e pelos padres Antônio Fragoso e Luís Fernandes, que criaram o Cineclube João Pessoa, responsável pelas discussões cinematográficas na Paraíba.

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Originários desse movimento, ainda durante a década de 1950, são fundados a Associação dos Críticos Cinematográficos da Paraíba (ACCP), e o Serviço de Cinema Educativo, comandado pelo fotógrafo e cinegrafista João Córdula, responsável pela formação de novos polos de exibição, a exemplo do Cineclube do Liceu Paraibano.

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De tanto se discutir sobre cinema, surgiu a necessidade natural de também realizar filmes. Nesse contexto, o entusiasmo promovido pelo cineclubismo na Paraíba foi fundamental para o estímulo das produções locais da década seguinte. Dentre elas destacam-se as películas: Aruanda (1960) O Cajueiro Nordestino (1962), de Linduarte Noronha; Romeiros da Guia (1962), de Vladimir Carvalho e João Ramiro Mello; Os homens de Caranguejo (1968) de Ipojuca Pontes e Rucker Vieira , entre outros. (Saiba mais sobre o contexto de produção desses filmes na editoria Flashback).

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Com a volta das produções cinematográficas, na década de 1980, surge a necessidade da criação de espaços para divulgação das obras. Foram criados festivais, como a Mostra de Cinema Independente, que teve quatro edições, e os cineclubes foram reavivados como espaço de interação com as películas. Dentre eles se evidenciam: Cartaz de Cinema, Filipéia, Cineclube do Sesc e o Cineclube de Oficina Literária-DCG. Nesse contexto, se destacam as exibições constantes no NUDOC como atividade de formação, atividades do grupo de cinema da Oficina de Comunicação e o processo de formação propriamente dito em sala de aula nos cusos de Comunicação da UFPB e da antiga URNE, em Campina Grande. 

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A popularização iminente do cinema no Estado pôde contar com um aumento significativo do público interessado. Saindo de uma época de ditadura, em que ainda se percebia vestígios da repressão, era notável o interesse crescente do público em relação aos filmes, por seus temas polêmicos. Os cineclubes passaram a ser frequentados geralmente por parte dos estudantes universitários dos cursos de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFPB.

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Dentre as temáticas mais pertinentes apresentadas nas obras, havia grande interesse tanto por parte do público, como dos realizadores, nas questões de gênero e as variantes da sexulidade. Temos como exemplo as obras Closes (1982) de  Pedro Nunes; Paraíba Masculina Feminina Neutra (1982), de Jomard Muniz de Britto, Era Vermelho Seu Batom (1983), de Henrique  Magalhães, Baltazar da Lomba (1982), dentre outros.

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O professor Pedro Nunes conta, inclusive, que após a exibição Closes, os espectadores observaram que a participação da figura feminina era menor comparada aos depoimentos masculinos, então novas tomadas foram filmadas, incluindo na obra o depoimento da feminista Eleonora Menicucci, ex-minitsra  da Secretaria de Polícica para Mulheres durante o governo da presidenta Dilma Rousseff.​ "Na verdade, face ao contexto político da época e com medo de sofrer repressão, algumas mulheres contatadas se recusaram a prestar depoimentos sobre o tema. Paraíba Masculina Feminina Neutra (1982) é um complemento do filme Closes, tendo como protagonistas duas mulheres que se abraçam, se beijam e transam no filme, evidenciando o amor entre elas.", explicou o professor.

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Um fato no mínimo intrigante é que, considerando-se as dificuldades para abordar o referidos temas, além da evidente ausência de recursos para a produção cinematográfica (a universidade só contava com materiais de doações adquiridos através de acordo com o Associação Varan), havia um número significativo de pessoas interessadas nos filmes, como relata o coordenador do Setor de Cultura do Sesc João Pessoa, Francisco Noronha. Em contrapartida, o coordenador lamenta que apesar de hoje os cineastas disporem com facilidade (em comparação com a década de 1980) da tecnologia tanto para a produção, quanto para a divulgação dos filmes, o público se mostra bem menos entusiasmado.

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​Início da abertura política 

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Apesar dos inegáveis benefícios das produções cinematográficas e debates delas provenientes, um caso em particular chama a atenção. Em entrevista, o professor da UFPB  e pesquisador Everaldo Vasconcelos relatou que durante a II Mostra de Cinema Independente, realizada na antiga reitoria da UFPB, atual sede do INSS, a Polícia Federal invadiu o evento com metralhadoras e lançando bombas de gás lacrimogênio sob alegação de que os filmes da Mostra não haviam passado pelo crivo da censura e por isso não poderiam ser exibidos. 

 

​O fato ocorrido durante o evento mencionado destaca que mesmo com o início da abertura política, a ditadura militar ainda reprimia as manifestações artísticas. A interrupção foi amplamente noticiada pela imprensa local e divulgada em veículos de comunicação de outros estados. Mesmo com a invasão, os debates continuaram no teatro Lima Penante, com maior público e com repercussão por todo brasil.  

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As motivações da invasão da polícia vêm das restrições impostas para as exibições dos filmes. Uma delas incluia a proibição da apresentação das obras fora dos limites físicos da Universidade e como a mostra foi realizada no prédio da reitoria, localizado no centro de João Pessoa, fora do Campus I da UFPB, os policiais usaram este argumento, juntamente com conteúdo dos filmes em cartaz, que foram apontados como pornográficos, para invadir o evento.

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Ironicamente, Everaldo Vasconcelos explica que a pornografia não era chocante para o governo militar porque não ameaçava o poder. "A pornochanchada no brasil, inclusive, prosperou durante a ditadura militar, você via todos os cinemas lotados de produções pornográficas e eróticas e não havia censura alguma nisso. Era plenamente aceito, no entanto, era proibido qualquer outro tipo de manifestação inteligente", finalizou.

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Incentivos e reconhecimento da produção paraibana

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Devido aos evidentes esforços dos cineastas paraibanos, que enfrentaram desde a falta de recursos para produção, de espaço para exibição de seus filmes e  até mesmo às restrições da ditadura militar, o cinema local persistiu atuante e continua sendo produzido até hoje. O cineasta Torquato Joel, que foi um dos realizadores da fase superoitista, ainda ativo na produção cinematográfica, relata alguns empecilhos encontrados para se produzir cinema na atualidade.

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O cineasta afirma que na Paraíba, mesmo com a existência de editais que custeiam as produções, o processo de liberação do recurso necessário para produção é quase sempre demorado, o que impede realização dos filmes dentro do prazo estabelecido. “É muito complicado tanto por parte do Estado, quanto por parte da prefeitura. Eles amarram a liberação desses recursos e isso nos causa muito problema”, comenta Torquato.

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​​Criada em 2001, a Agência Nacional de Cinema (ANCINE) é responsável pela captação de recursos através da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (CODECINE), imposto que auxilia e incentiva a produção de cinema no Brasil. Para Torquato Joel, o referido estimulo federal é necessário para realização das obras paraibanas. O cineasta comenta que se no final da década de 1990, início dos anos 2000, existia uma produção fincada no eixo Rio – São Paulo, a partir dos editais federais ocorre uma descentralização, expandindo a produção de cinema no país.

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Mesmo com a criação de editais federais, estaduais e municipais, ainda falta regularidade para obtenção dos recursos para realização e difusão do cinema local. â€‹"É de se esperar que um Estado que possui um acervo histórico renomado e uma produção em quantidade e qualidade tão significativas como a Paraíba acabe por obter certa atenção, tanto dentro quanto fora de seu território. No entanto, o cinema paraibano não tem o devido crédito", finaliza Francisco Noronha.​

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FONTES

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AMORIM, Lara; FALCONE, Fernando Trevas (Orgs.). Cinema e Memória - O super-8 na Paraíba nos anos de 1970 e 1980. ed. UFPB, João Pessoa. 2013.

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BRITTO, Jomard Muniz. Entrevista concedida a Pedro Nunes . Recife, 06 out.1985.

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JOEL, Torquato. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 23 de mar. 2016.

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NORONHA, Francisco. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 13 de mar. 2016 .

 

NUNES, Pedro. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 17 de maio. 2016.

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NUNES, Pedro. Violentação do Ritual Cinematográfico: Aspectos do cinema independente na Paraíba – 1979-1983. São Paulo. 1988. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) Universidade Metodista de São Paulo.

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VASCONCELOS, Everaldo. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 08 de abr. 2016.

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Cinema, Cineclubes, Ditadura e Agitação Cultural 

por, Jéssica Sales 

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