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Impulsionado pela criação do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em 1977, pela parceria firmada entre o antropólogo e cineasta francês Jean Rouch, através da Associação Varan, com a UFPB, pela criação do Núcleo de Documentação Cinematográfica (NUDOC), da Oficina de Comunicação e ao impulso do Programa Bolsa Arte da UFPB, o Terceiro Ciclo de Cinema pode ser considerado como um período que trouxe o fôlego de volta à produção cinematográfica paraibana.


​As principais características dessa fase são pequenas equipes de trabalho, filmes com orçamentos ínfimos, o uso quase predominante da câmera e equipamentos Super-8 e a utilização  em pequena escala  da bitola 16 mm. A condição para o aparecimento desse novo surto de criação de filmes – que aconteceu no final da década de 1970 e durou até meados de 1985 – foi o jejum na produção cinematográfica da Paraíba. Vale salientar que nesse ínterim que compreende o lançamento de Aruanda até o ano de 1979, temos a realização de vários filmes que constituem enquanto uma segunda movimentação de cinema na Paraíba  que ficou denominada como Ciclo Aruanda.

 

Vários filmes podem ser mencionados e que integram esse período, como: Cajueiro Nordestino (1962), de Linduarte Noronha; Romeiros da Guia (1962), de Vladimir de Carvalho e João Ramiro; Ouro Branco (1962), de Ipojuca Pontes; Sertão do Rio do Peixe (1968), de Vladimir Carvalho; Padre Zé Estende a Mão (1970),  de Jurandir Moura; O Último Coronel (1975), de Machado Bitencourt; Campina Grande: da Prensa de Algodão, da prensa de Gutemberg (1975), de Machado Bitencourt; O que Conto do Sertão é Isso (1979), de José Umbelino e Romero Azevedo; dentre outros. Confira mais produções desse período no infográfico Zoom.


​A repressão política e cultural no Brasil, em decorrência da ditadura militar, associada a falta de infraestrutura adequada para a produção de filmes na Paraíba e ao  o alto custo para realização dos filmes, foram algumas causas para o  hiato de produções paraibanas.

 

Com o surgimento dos equipamentos em Super-8, como a câmera, moviola, filme, coladeiras, projetores, o cenário de produção local começa a mudar radicalmente. Já em 1973 surgem as primeiras produções utilizando o referido equipamento e o pico de realizações de filmes com a mini-bitola ocorre em 1979 de forma sistemática e mais organizada, com o princípio da abertura política (leia mais sobre o assunto na editoria Plano Geral). 
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De acordo com o pesquisador e professor da UFPB Pedro Nunes, em sua dissertação Violentação do Ritual Cinematográfico (1988), a câmera Super-8 favoreceu a eclosão de surtos regionais com a produção de filmes que provocaram uma espécie de reorientação quanto ao fazer cinematográfico em todo Brasil.


Na referida dissertação, o pesquisador dividiu sistematicamente o movimento em duas fases: os primeiros registros de natureza documental, em que a maior parte dos filmes eram autorais ou financiados pelo NUDOC, com um traço forte de críticas ao regime militar; e um segundo momento marcado pela experimentação, utilizando muitas vezes elementos associados ao gênero da ficção para abordar temáticas extremamente sensíveis para a sociedade da época, como a sexualidade,  homossexualidade, lesbianidade e outros temas de cunho existencial . 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quando os filmes do segundo momento são comparados com os que iniciaram o ciclo, torna-se perceptível a diferença temática e a estruturação técnica. ​A princípio os realizadores estavam atrelados às diretrizes da tradição documental do cinema paraibano ou associado à vertente do Cinema Direto, uma técnica cinematográfica que orienta o cineasta a interferir o mínimo na cena filmada. “Trata-se de uma vertente que prioriza a captação da imagem e do som pela via da captação direta. Nesse procedimento de construção fílmica há, sem dúvidas, graus de subjetividade, mas a característica principal do que convencionou-se chamar de Cinema Direto é direcionar a câmera com a interferência mínima possível nos registros, depoimentos ou entrevistas”, explica Pedro Nunes.


​Seguindo a técnica do Cinema Direto, que foi trazida à Paraíba pela escola de documentários francesa Varan, não havia muitas possibilidades de inovação no formato dos filmes, uma vez que eles seguiam, em sua maioria, a linha documental, com predominância da temática social urbana. Entretanto, algumas películas conseguiram romper as diretrizes do curso de Cinema Direto e mesclaram à referida técnica outros elementos cinematográficos e outras temáticas, como Sagrada Família (1982), de Everaldo Vasconcelos, considerado pelo professor e pesquisador Bertrand Lira como um dos primeiros documentários performáticos do Brasil; e o filme Perequeté (1981), de Bertrand Lira, que trabalhou a temática homossexual. 

 

Cinema indireto: contraponto com inventividades 

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Concomitante ao Cinema Direto surgiu na Paraíba um grupo de pessoas que se contrapunham aos ideais daquela vertente cinematográfica. Essa contraposição foi sutil visto que o Cinema Indireto assimilou naturalmente integrantes do Cinema Direto. Havia uma circulação deliberada entre jovens que transitavam entre o NUDOC e a Oficina de Comunicação, vinculados à UFPB.  Atribuída a designação do termo Cinema Direto ao poeta, cineasta e professor emérito da UFPB, Jomard Muniz de Britto, o Núcleo de Cinema Indireto (NUCI) possuía algumas características opostas a vertente francesa do Cinema Direto: os realizadores trabalhavam com elementos da ficção, sendo que em alguns filmes havia o diálogo da ficção com o documentário. Os cineastas tinham essa tendência mais explícita para abordar temas ousados e considerados tabus. Conforme já apontamos, os realizadores elegem como temática sexualidade, lesbianidade, homossexualidade entre outros.


​De acordo com Bertrand, o Cinema Indireto surgiu de uma crítica feita pelo professor Pedro Santos a um filme de Jomard Muniz de Britto e a partir desse momento, Jomard  Muniz de Britto passou a utilizar, ironicamente, o termo Cinema Indireto.


Fruto de um debate acadêmico, o Cinema Indireto estimulou uma produção significativa de filmes ousados e marcantes,  e que de certa forma questionavam os cânones  propostos pelo Cinema Direto.  Tanto Jomard Muniz de Britto como Pedro Nunes consideravam que o processo de produção de filmes sem níveis de interferências dos realizadores era algo impossível. Justificavam, baseando-se em outras escolas de cinema, que a partir do momento em que você começa a filmar, está interferindo no processo de captação de aspectos da realidade.  A presença do realizador e equipe, com seu projeto de filme, roteiro aberto, direcionamentos, enquadramentos e edição, todos esses elementos resultam em graus de interferências deliberadas que direcionam ou redirecionam qualquer narrativa audiovisual. Em síntese, essas foram as questões centrais da polêmica estabelecida entre o que é Cinema Indireto e o que é Cinema Direto


Em entrevista a Pedro Nunes, concedida em 1985 (que pode ser lida na editoria Pontos de Vista), Jomard Muniz de Britto classifica a polêmica ocorrida no Terceiro Ciclo de Cinema como altamente produtiva, porque a partir das críticas aos dogmas da mencionada vertente do cinema documental, houve uma produção significativa de filmes.
 

De acordo com o criador do NUCI, na Paraíba o Cinema Direto passou por um processo de mutação, ocasionada pela realidade local e pelas adaptações que tiveram que ser feitas para implantação da técnica. O cineasta considera que Cinema Direto teve sua proposta inicial deturpada no Estado. “O padrão, digamos assim, da academia universitária, o chique, o correto politicamente era o cinema verdade, le cinéma vérité, do Jean Rouch, por conta de uma jornada de cinema que aconteceu lá na Paraíba e a abertura de convênios entre a universidade da Paraíba e os núcleos antropológicos...”, afirmou Jomard Muniz de Britto, em entrevista a Francisco Sales para o documentário Renovatório (2007).


​O professor emérito produziu em Super-8 antes mesmo da implantação do NUDOC  e ainda antes da própria existência do Terceiro Ciclo de Cinema na Paraíba.  Jomard Muniz de Britto dispunha de uma visão muito mais anárquica do cinema sobretudo porque o poeta tem as suas raízes no tropicalismo, sendo um dos grandes representantes do movimento no Nordeste. Sua filmografia habitualmente é associada a características do Cinema Margial (udigrudi brasileiro). “Sua visão de cinema era mais poética e questionava essa linha documental, mais ‘séria’, voltada ao registro da realidade, que era proposta do Cinema Direto”, afirmou o professor e pesquisador da UFPB Henrique Magalhães.


Ainda no entender de  Henrique Magalhães o Cinema Indireto também era feito por provocação e não havia algo que o legitimasse como movimento. Essa opinião é corroborada pelo professor da UFPB e atual coordenador do NUDOC, João de Lima Gomes, que considera o NUCI como “uma marca no ar, um balão solto para instigar o pessoal do Cinema Direto, que já estava trabalhando com uma metodologia mais ou menos resolvida”.

 

O coordenador do NUDOC acredita que a principal motivação de Jomard Muniz de Britto – que é uma pessoa ligada ao experimentalismo – com o NUCI era a preocupação com a popularidade de um cinema que seguia uma determinada linha, que tinha uma formação focada. “No fundo ninguém discorda de um cinema mais humanitário”, declarou. Todavia, João de Lima reconhece que a grande agitação cultural em torno do cinema na Paraíba da década de 1980 era em torno dos filmes apoiados pelo NUCI, sobretudo pelas mostras de cinema organizadas por Pedro Nunes e pelas temáticas abordadas nas obras, que atraia o público paras as exibições.

 

 

 

 

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Segundo momento de realizações superoitistas: ousadia, experimentação e irreverência
 
Pedro Nunes considera ousados e pioneiros os filmes do segundo momento de produções que compõem o Terceiro Ciclo de Cinema na Paraíba, principalmente pela coragem dos realizadores em focarem no debate sobre a sexualidade. Num total de treze filmes com temáticas da sexualidade lançados na Paraíba na década de 1980, dez deles abordam a homossexualidade, lesbianidade e outras questões existenciais, que lançaram outros temas para discussão, a exemplo do respeito a diversidade, convivência com as diferenças, liberdade de expressão, preconceitos, censura, dentre outros.


As temáticas foram abordadas nas suas mais diversas formas:  pela mistura – inovadora, não inédita na Paraíba – de documentário e ficção de Closes (1982), Pedro Nunes; ou através do experimentalismo progressista de Jomard Muniz de Brito, nos seus três filmes lançados no Estado; ou ainda pela abordagem ficcional nos filmes de Lauro Nascimento que versam não só sobre a sexualidade, mas que também englobam assuntos relacionados com a religiosidade e a prostituição masculina. 


​Com o apoio de grupos militantes de gênero, como o Maria Mulher e o Nós Também, a mencionada fase cinematográfica ganhou mais força, inclusive com a produção do curta-metragem Baltazar da Lomba (1982), filme em Super-8 desenvolvido por integrantes do grupo Nós também, o primeiro de militância gay da Paraíba, que buscou reconstituir o primeiro caso de repressão homossexual no Estado.


​O professor Henrique Magalhães, membro do Nós Também, conta que haviam reuniões semanais para discutir as questões próprias do grupo, para entender os conceitos, para ler. Os membros trabalhavam com expressões artísticas, como poesia, ilustrações, histórias em quadrinhos, cartões postais, grafite, fotografia e filmes. “Era um grupo misto, composto por homens e mulheres, estudantes e professores da Universidade, que tinha a proposta de discutir a homossexualidade através da arte”.


​Os filmes, com o apoio dos grupos feministas e homossexuais, serviram para estimular o diálogo e mostrar que a questão sexual está além da reprodução, valorizando o prazer e combatendo a discriminação. De acordo com Pedro Nunes, a explicação para o enfoque na temática sexual, com ênfase na homossexualidade, ocorreu porque este sempre foi um tema tabu e até mesmo os movimentos de esquerda consideravam a sexualidade como um assunto de pouca importância. 
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Segundo Henrique Magalhães, no momento de grande produção do período, alguns artistas e intelectuais paraibanos afirmavam que os realizadores estavam tentando estabelecer uma ditadura gay com o cinema. “Ora, quantos filmes tratam da heterossexualidade? quantas novelas? tudo, toda a produção cultural segue a norma. Ninguém nunca disse que isso era a ditadura hétero, então porque a quando a gente faz alguns filmes sobre a homossexualidade, estamos querendo impor algo? O que se buscou foi dar transparência as nossas inquietações”, indagou o professor.


​Considerando as produções da Paraíba, especificamente de João Pessoa, Henrique avalia o surto com predominância superoitista como uma representação cinematográfica muito importante. “Foi por intermédio do Cinema Direto e das produções independentes que se formou uma geração de cineastas que atua até hoje e que influenciou outras gerações”, finalizou.


​O experimentalismo no cinema paraibano desse período é fruto de toda polêmica edificante em torno do Cinema Indireto e chega com o objetivo de lançar luzes críticas à movimentação cinematográfica deflagrada com a criação do NUDOC, estimulando o debate acerca da técnica cinematográfica e dos temas abordados nos filmes, sobretudo a sexualidade.


Para Pedro Nunes, é com o amadurecimento do cinema indireto que se inicia na Paraíba a discussão sobre a implantação de uma infraestrutura profissional no Estado. Além disso, é perceptível a preocupação dos realizadores quanto a escolha temática e na inserção de elementos novos, desaguando num mar de possibilidades cinematográficas.


Esses filmes incorporam deliberadamente a ousadia através de seus realizadores que tratam criativamente dos desejos e pulsões da sexualidade. Dois homens que se beijam em Closes ou duas mulheres que transam abertamente em Paraíba Masculina Feminina Neutra (1982) de Jomard Muniz de Britto, só seriam possíveis nesse contexto do Cinema Indireto", afirmou o pesquisador.

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​Marcas da homossexualidade
 
Cerca de dez realizadores enveredaram para discussã
o da temática da sexualidade na Paraíba. Com filmes de maior ou menor repercussão, Henrique Magalhães, Bertrand Lira, Lauro Nascimento, Jomard Muniz de Britto, Machado Bitencourt, Pedro Nunes, Gabriel Bechara, o grupo Nós Também e os gêmeos Romero e Romulo Azevedo, debateram a sexualidade na Paraíba. O próprio professor Machado Bitencourt da Cinética Filmes, de Campina Grande, também se associa de forma indireta a esses nomes muito embora discuta a sexualidade em filmes de sua autoria de forma mais contida ou até de modo mais “conservador”.


​Perequeté (1981), de Bertrand Lira, foi produzido em uma das oficinas de Cinema Direto da Associação Varan, mas possui marcas do Cinema Indireto, sobretudo por causa da escolha temática. De acordo com o autor, a homossexualidade foi abordada porque era um tema inédito na província e na mesma época o país estava vivenciando um momento de abertura política e esse fato contribuiu para a realização do filme. 
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Perequeté conta a história do ator e bailarino Francisco Marto, que busca superar o preconceito da sociedade com o fato de trabalhar com arte. Segundo depoimentos do protagonista, as pessoas julgavam todo artista como homossexual. Bertrand declara que o preconceito não é contra Francisco em si, mas contra a livre opção de cada um, sendo essa a grande questão da película. O nome do filme vem de um personagem infantil que Francisco interpretou e acabou assumindo como seu apelido.
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A produção foca no preconceito sofrido pelos artistas, discorrendo sobre as dificuldades que Perequeté enfrentou para viver da arte. Um detalhe fundamental é que mesmo sendo fruto do Cinema Direto, o filme de Bertrand Lira foge das diretrizes da técnica francesa porque, segundo o autor, como Francisco não estava atuando em nenhum espetáculo durante as filmagens, foi preciso que ele interpretasse uma cena de cada uma de suas peças ou shows.
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No mesmo ano de Perequeté, Jomard Muniz de Britto lança Esperando João (1981), o primeiro da trilogia que ele produziu na Paraíba. Esses filmes, todos em Super-8, foram realizados com financiamento próprio, como o autor revela em entrevista a Pedro Nunes. “Eu pude fazer vários filmes com recursos próprios, com o meu salário de professor, sem ajuda de nenhuma instituição; conseguia tirar do meu salário para produzir esses filmes, quer dizer, entrava na produção atores que nunca ganharam dinheiro comigo, mas alguns técnicos de montagens e cinegrafistas tinham um cachê simbólico que eles pediam, na parte de montagem...", revelou.

 

Esperando João foi uma antecipação do drama de Tizuka Yamazaki, Parahyba Mulher Macho (1983), que conta história semelhante e possui a mesma protagonista: a poetiza, jornalista e professora Anayde Beiriz, amante de João Dantas, assassino do ex-governador da Paraíba, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque.
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No filme, Jomard enquadra um pedaço da história brasileira e a conta por meio da perspectiva de Anayde, uma mulher revolucionária e libertária, que espera o retorno de João Dantas, após o assassinato de João Pessoa. A produção passeia pela cidade de João Pessoa e cada vez que um mágico retira de sua cartola revelações sobre o local, Anayde se transforma. A personagem foi interpretada por três atores e três atrizes.
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O segundo filme paraibano de Jomard é intitulado Cidade dos Homens (1982) e foca na presença masculina na cidade de João Pessoa. Bertrand Lira escreve - no artigo A produção cinematográfica superoitista em João Pessoa de 1979 a 1984 e a influência do contexto social/econômico/político e cultural em sua temática (1986) - que o filme é uma sátira a presença do ‘macho’ na cultura da Paraíba. O autor demonstra a ironia filmando locais onde a presença masculina era muito forte, como em bares, praças e construções.
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A película que encerra a trilogia é Paraíba Masculina Feminina Neutra (1982), segundo Pedro Nunes, esse é um dos filmes mais importantes do período superoitista porque consegue radicalizar em termos da construção narrativa e manejo da linguagem cinematográfica. “O filme envolve simultaneamente o passado, o presente e o futuro, agrupando 12 personagens em constante metamorfose que percorrem favelas, becos e vielas de João Pessoa. É o único que consegue realmente lançar elementos novos em termos de linguagem cinematográfica”, escreve o pesquisador.

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​Henrique Magalhães, lembra que os filmes de Jomard não receberam o aval da UFPB e o cineasta foi pressionado pela censura federal para que as obras fossem avaliadas. A censura era aplicada por meio da inviabilização de espaços para a exibição dos filmes ou negando apoio aos cineastas perseguidos pela Polícia Federal. A censura também atuou em filmes de Pedro Nunes principalmente por ocasião do lançamento de Closes (1982) em que o mesmo foi obrigado a ser exibido para agentes federais munidos com metralhadoras. A censura e repressão policial seria muito mais forte por ocasião da realização da II Mostra de Cinema Independente (leia mais sobre o episódio na editoria Contra-Campo).

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​Lauro Nascimento foi outro realizador que usou de recursos próprios, exceto em relação aos equipamentos, que foram emprestados pela Universidade, para pôr em prática as ficções Acalanto Bestiale (1981), Miserere Nobis (1982) e Terceira Estação de uma Via Dolorosa (1983). De acordo com Pedro Nunes, nos dois primeiros filmes, Lauro trabalha a sexualidade sob o prisma da religiosidade. “De um lado a imaginação de um garoto que materializa Jesus e o ama docemente. De outro, um Jesus contemporâneo adota a filosofia "qualquer maneira de amar vale a pena “.

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​No último filme, Terceira Estação de uma Via Dolorosa, o cineasta aborda a questão da prostituição masculina representada pela relação degradante de um intelectual com um garoto de programa adolescente que se relaciona unicamente por dinheiro. “O lado plástico, a cor, a luz e os cenários, enfim o departamento da imagem são aspectos importantes enfatizados na trilogia de Lauro Nascimento”, escreve Pedro Nunes, em sua dissertação.

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​Henrique Magalhães participa dessa fase  do Cinema Indireto com Era Vermelho Seu Batom (1983), filme que foca no preconceito entre os homossexuais. A produção é uma mistura de ficção com documentário e mostra, inicialmente, uma relação entre dois rapazes apaixonados –  um deles interpretado pelo autor do filme –, que se beijam na praia.

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No segundo ato o filme começa a parte documental, em que o cineasta registra o desfile do bloco de carnaval Virgens das Trincheiras, em Baía da Traição - Paraíba. Durante o bloco, instante em que a ficção retorna, o personagem interpretado por Henrique Magalhães, travestido de mulher para participar do desfile, encontra o rapaz que estava com ele na praia. Nesse momento, o protagonista, é rejeitado pelo parceiro por estar fantasiado com trajes femininos, revelando um preconceito dentro do próprio segmento homossexual, em que indivíduos heteronormativos marginalizam os efeminados, travestis e transexuais.

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​Henrique Magalhães conta que a intenção do filme era mostrar o conflito em relação a sexualidade e a solidão que isso ocasiona, porque se uma pessoa não podia viver abertamente os seus desejos e o seu verdadeiro eu, era obrigado a viver escondido ou em circuitos marginais para exercer sua sexualidade. 

 

“Tudo era muito delicado naquela época, ainda havia muito tabu na cidade, a exposição da homossexualidade era uma coisa que trazia muito preconceito. Então todo o movimento gay, o Nós Também e eu, como autor desse filme, quisemos colocar isso, essa fragilidade, esse risco que era a exibição da homossexualidade, do seu desejo, que ainda era uma coisa muito mal vista pela sociedade”, explanou Henrique.


​A contribuição do grupo de militância homossexual Nós Também foi o filme Baltazar da Lomba (1982), iniciativa coletiva que buscou reconstruir o primeiro caso de repressão homossexual na Paraíba, no período do império. Usando a linguagem ficcional, o filme resgatou a história da perseguição odiosa contra a homossexualidade.


Abordando a temática da sexualidade, com foco na homoafetividade, Closes (1982), de autoria de Pedro Nunes, é um dos filmes mais importantes do período. A produção reconhecida internacionalmente se preocupou em retratar como a homossexualidade era vista na década de 1980, equilibrando depoimentos favoráveis e contrários.


​Casar ideias opostas foi a opção escolhida pelo cineasta durante a edição e os momentos em que são exibidas as opiniões contrárias e simpatizantes são bem evidentes. Perceptível também são as ideias equivocadas que, mesmo desmentidas cientificamente, ainda são máculas encontradas na sociedade do século XXI.

 

Closes é um misto de ficção com documentário. A parte ficcional, que retrata, em sua maioria, os protagonistas trocando carícias em locais públicos (como o centro de João Pessoa e uma praia), servem como contrapeso para equilibrar as discussões sobre a homoafetividade. Pelados em vários momentos da produção, os protagonistas demonstram a fragilidade do homossexual nos anos 1980, como se todos vivessem expostos apenas por serem o que são.


Jomard Muniz de Britto, em entrevista a Pedro Nunes, afirma que o grande rebuliço em João Pessoa foi causado por Closes: “Era a temática nova, a problemática nova em termos de sexualidade, pela beleza formal do filme tinha um encantamento visual muito grande. Isso foi um grande motivo para acender a chama dessa sexualidade recalcada noutros filmes”.


A produção Faon (1983), de Gabriel Bechara é um filme de pouca circulação, mas que também fez parte da segunda fase do Terceiro Ciclo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Temática da sexualidade em Campina Grande 
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A produção cinematográfica com temática d
a sexualidade em Campina Grande é composta por três filmes: O Caso Cartola (1981), do cineasta Marchado Bitencourt, Na Cama (1981), de Romero Azevedo e Flagrante Delito, de Rômulo Azevedo.


​O primeiro conta a história ficcional, baseada em um episódio real, da amante de um político que é ofendida publicamente por um membro de um partido conservador e planeja o assassinato deste indivíduo que a ofendeu. Presa, Cartola mantém uma relação amorosa com o diretor do presídio. Pedro Nunes, ao abordar o filme em sua dissertação, afirma que ele não consegue avançar na discussão do tema a que se propõe, mas serve como registro e tentativa de colocar uma mulher alheia aos padrões estabelecidos pela sociedade como protagonista.


​As duas outras produções com abordagem da sexualidade de Campina Grande, Na Cama (1981) e Flagrante Delito tiveram divulgação restrita e pouca circulação. 

 

Confira no infográfico Zoom a lista com todos os filmes que abordaram a sexualidade na Paraíba.
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FONTES
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BRITTO, Jomard Muniz. Entrevista concedida a Pedro Nunes. Recife, 06 out.1985.


GOMES, João de Lima. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 01 de abr. 2016​


GOMES, João de Lima. A Contribuição Francesa do Cinema Direto. In: AMORIM, Lara FALCONE, Fernando Trevas. Cinema e Memória - O super-8 na Paraíba nos anos de 1970 e 1980. ed. UFPB, João Pessoa. 2013. p.104-114.


LIRA, Bertrand. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 01 de abr. 2016.


MAGALHÃES, Henrique. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 23 de mar. 2016.

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NUNES, Pedro. Violentação do Ritual Cinematográfico: Aspectos do cinema independente na Paraíba – 1979-1983. São Paulo. 1988. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) Universidade Metodista de São Paulo.


NUNES, Pedro. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 17 de maio. 2016.


RENOVATÓRIO, Direção: Francisco Sales, 2007. 20min. Son, Color.

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Pela Livre Expressão da Sexualidade:

A Inventividade do Cinema Indireto

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por, Arthur Morais 

PRIMEIRO PLANO

Esses filmes incorporam deliberadamente a ousadia através de seus realizadores que tratam criativamente dos desejos e pulsões da sexualidade. Dois homens que se beijam  em Closes ou duas mulheres que transam abertamente em Paraíba Masculina Feminina Neutra (1982) de Jomard Muniz de Britto, só seriam possíveis nesse contexto do cinema indireto"

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Pedro Nunes 

PARAÍBA MASCULINA FEMININA NEUTRA - JOMARD MUNIZ DE BRITTO

Elaborada pelos futuros jornalistas Arthur Morais e Jéssica Sales, o trabalho desenvolvido na revista Bitola-8 permitiu explorar três paixões em comum aos dois estudantes: revistas, jornalismo cultural e cinema.

QUEM ESCREVE

Universidade Federal da Paraíba 

Centro de Comunicação Turismo e Artes

Departamento de Jornalismo

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Banca Examinadora: 

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Professor Phd Pedro Nunes Filho

Professor Dr. Bertrand de Souza Lira

Professor Me. José Everaldo de Oliveira Vasconcelos 

Confira uma seleção de artigos, dissertações e livros online que abordam o Terceiro Ciclo de Cinema da Paraíba.

Revista digital sobre o Terceiro Ciclo de Cinema Paraibano, ocorrido no Estado da Paraíba entre os

anos de  1979 e 1985. A revista Bitola-8, orientada pelo professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Pedro Nunes Filho, foi desenvolvida para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social - UFPB

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