top of page

Bitola-8: A criação do Núcleo de Cinema Indireto (NUCI) foi claramente uma crítica ao cinema direto. Por que se debatia tanto a ideologia dessa modalidade cinematográfica?

​

​

 Pedro Nunes:  Antes do Cinema Direto ou do Cinema Indireto já tínhamos filmes de referencia que deram o pontapé inicial para o que logo em seguida foi designado como Terceiro Ciclo de cinema na Paraíba. Alguns desses filmes são Gadanho (1979) de minha autoria e de João de Lima, Registro (1979) de Pedro Nunes, Contrapontos (1980) de Pedro Nunes, Beba Coca e Babe Cola (1980) de Bertrand Lira e Torquato Joel dentre outros. 


No entanto, o Cinema Indireto só surgiu em decorrência da existência dos cursos e estágios de formação em Cinema Direto realizados no Núcleo de Documentação Cinematográfica (NUDOC) da UFPB e na Associação Varan em Paris. Diria que ambas as propostas de cinema (Direto e Indireto) são faces de uma mesma moeda chamada cinema. O Cinema Indireto só então se justificou enquanto contraponto sutil ao Cinema Direto


Vou tentar aclarar essas diferenças. De um lado temos uma proposta com metodologia pré-concebida, que faz uso de exercícios direcionados com acompanhamentos fundados em uma dinâmica antropológica proposta por Jean Rouch e recriada por seus seguidores. Os alunos do Cinema Direto assistiam filmes e discutiam e observavam a maneira de se construir esses filmes. Para os exercícios fílmicos, em geral, os participantes elegiam um personagem e pela via da captação direta de imagem e som, aproximavam de sua possível intimidade ou do seu cotidiano.


Discutia-se no âmbito do Cinema Direto a questão da pouca interferência e da possibilidade narrativa da personagem falar por si. Associado ao curso abria-se a possibilidade de um estágio mais avançado em Paris. Além da oportunidade de estudar, aprender e fazer cinema em outro centro criava-se uma salutar disputa entre os participantes de cada curso de Cinema Direto desenvolvido no NUDOC-UFPB para se conquistar essas poucas vagas para um curso avançado em Paris.   

 
Esse é um dado dimensionado a esse processo de formação no campo audiovisual que envolveu o
Cinema Direto. Do outro lado, havia uma proposta que considero complementar, mais caótica, com autonomia quanto ao modo de construção narrativa, com maior liberdade de abordagem temática, com uma anarquia contida por parte de seus integrantes e muito mais manifesta por parte do Professor Jomard Muniz de Britto com seus filmes turbulentos para época.  Há uma atração, diálogos, repulsa e distanciamentos entre esses dois modos de se fazer filmes. Focando criticamente as tensões entre ambas propostas diria que esses atritos argumentativos fez brotar propostas mais desamarradas  no âmbito do que foi  etiquetado de Cinema Indireto.


Posso destacar a incorporação de elementos de ficção tanto por parte de filmes documentários que se entrem mesclam com a ficção, o meu filme Closes (1982) é um exemplo dessa mistura narrativa ou de filmes cujos realizadores organizam estrutura narrativa de cunho ficcional e aqui destaco os filmes de Lauro Nascimento, Miserere Nobis (1982), Acalanto Bestiale (1981) e Segunda Estação de uma via Dolorosa (1983). Esses filmes incorporam deliberadamente a ousadia através de seus realizadores que tratam criativamente dos desejos e pulsões da sexualidade. 


Dois homens que se beijam em Closes ou duas mulheres que transam abertamente em Paraíba, Masculina, Feminina e Neutra (1982) de Jomard Muniz de Britto, só seriam possíveis nesse contexto do Cinema Indireto. No entanto integrantes da tribo do Cinema Direto transitavam com maior desenvoltura junta à tribo do Cinema Indireto.  Existiam tensões acadêmicas muito mais explicitas entre os dois caciques: Pedro Santos (Cinema Direto) e Jomard Muniz (Cinema Indireto).  Pode-se dizer que o Jomard Muniz de Britto foi o inventor do Núcleo de Cinema Indireto e fui um de seus seguidores. Pude me posicionar frente ao Cinema Direto, não quis fazer o curso e não tencionei ir à Paris. Coordenava o Grupo de Cinema da Oficina de Comunicação e atuava como articulador da Mostra de Cinema independente


Então eu possuía certa autonomia. Já vinha construindo o meu caminho com a realização de outros filmes e quis correr esse risco de associar diretamente ao Jomard Muniz de Britto que nos abastecia com textos sobre o Cinema Direto e outras vertentes do cinema. Éramos todos amigos, mas eu me confrontei enquanto uma voz discordante me identificando também com o cineasta e montador Manfredo Caldas que apresentava outras razões de discordância quanto ao Cinema Direto.  Todas as Mostras de Cinema Independente que organizei credito as contribuições desse coletivo heterogêneo que abraçava o Cinema Indireto e que agregava jovens do Cinema Direto. Trouxemos para uma dessas Mostras o escritor e cineasta João Silvério Trevisan cujo nome e obras não eram assimilados por correntes mais ortodoxas.


Enfrentei dificuldades com essas Mostras e obtive muito apoio. Destaco ainda que além desse trânsito entre integrantes das tribos do direto e Indireto destaco que alguns filmes produzidos como resultado dos cursos de Cinema Direto caminharam na contramão dessa proposta cito três exemplos: Perequeté (1981) de Bertrand Lira; Sagrada Família (1981) de Everaldo Vasconcelos e o exercício-postal  Canto do Povo de um Lugar (1981) de Henrique Magalhães. 


Há outros exemplos. Diria ainda que o NUDOC através do Cinema Direto representou um esforço de capacitação sistemática no campo do cinema. O Cinema Direto se concentrou     no processo de formação. O Cinema Indireto cuidou muito mais da circulação dos filmes, realização de filmes com abordagem da sexualidade, se aproximou com mais intensidade do gênero ficcional realizou Mostras de Cinema Independente através da Oficina de Comunicação. Essa é a chave para compreensão de um período em que os realizadores enfrentaram dificuldades para fazer filmes ainda em plena vigência da ditadura militar. Em síntese, a existência do Cinema Indireto representou uma contestação a um modo de se fazer filmes ou um posicionamento salutar visto que antes do Cinema Direto e do próprio Cinema Indireto o Cinema já existia cinema produzido na Paraíba inclusive na Bitola Super-8.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

​

​

​

 

​

​


 Henrique Magalhães:  Jomard já vinha fazendo super-8, mesmo antes da implantação do núcleo de cinema direto, do NUDOC e ele tinha uma visão muito mais anarquista do cinema, ele fazia parte da geração tropicalista, ele foi um dos grandes representantes do tropicalismo no Nordeste. Então tinha uma visão mais poética do cinema e questionava essa coisa mais documental, mais séria, mais voltada para retratar a realidade que era a proposta pelo cinema direto.  Então na brincadeira ele criou o cinema indireto, como contraponto para o cinema direto, mas era coisa de pura contestação, não era um movimento de cinema indireto. Era só para dizer: “olha vocês estão fazendo cinema direto, a gente faz também cinema indireto, porque trabalha com a fantasia, com o lirismo, com o ficcional e não com essa visão academia da realidade”.


 Marcus Vilar:  Era todo mundo amigo, nós tínhamos um respeito muito grande por Jomard e por Pedro Nunes, ele fazia uma mostra de cinema independente. Eu participei de algumas antes de entrar no mundo do cinema, ia só para assistir. Existia uma polêmica, por conta do cinema indireto criado por Jomard Muniz de Britto, que era um movimento de contestação para discutir o que o cinema direto omitia. Essa coisa de cinema verdade não existe, a partir do momento que eu ligo a câmera e escolho o que estou querendo filmar, já estou interferindo na realidade, estou metendo a mão nela e colocando um olhar meu, do realizador. O cinema direto é aquela coisa mais rígida do documentário, o importante do cinema direto era que você não precisava de uma equipe grande para se produzir, naquela época a gente precisava exercitar e não dava para fazer isso em uma câmera de 35mm, porque era caríssima. Na verdade nem tinha aqui e o filme de 16mm era muito caro, então o suporte que tínhamos na época era super-8.

​

 João de Lima:  Jomard inventou esse Núcleo de Cinema Indireto (NUCI) que não tinha sede, RG, CPF, não tinha carta de fundação, não tinha nada. Era só uma marca no ar, um balão solto para instigar o pessoal do cinema direto, que já estava trabalhando com uma metodologia mais ou menos resolvida. O NUCI era uma abstração, não tinha sede, não tinha nada, tinha uns três a quatro membros que debatiam questões em torno dessa marca, para peitar a turma do cinema direto. Ele dizia que o dele era indireto, na verdade, no fundo, era um pouco isso, eles tinham uma cultura cinematográfica e ficavam irritados, porque de certa forma eles diziam: “quem são esses caras? O que eles querem ensinar aqui? Nós já temos cinema, porque eles vêm ensinar super-8 se a gente já sabe fazer 16mm e 35mm, vai regredir? ”Eu lembro que uma vez fui ver um filme de Jomard e perguntei se era um filme ou um pout-pourri musical, ele ficou chateado comigo, não sei se ele ainda guarda rancor de mim, mas ele também espetava demais as pessoas. Se espeta, leva espetada também!  Mas assim, às vezes também era por puro calor do debate, não havia uma maldade ou uma ironia tão pesada, por outro lado ele também fazia das deles. Era uma barafunda de matrizes e discussões sobre cinema e o fato de Jomard espetar muito a gente é porque ele via que, em termo de proposta pedagógica, o negócio estava pegando, tinha muita gente fazendo o cinema direto, o cinema documentário tomou outro viés. 

 

O Linduarte também de vez em quando espetava o pessoal do Super-8, perguntando onde estavam os filmes, dizendo que não estava vendo filme algum. Como se ele dissesse: “não, o grande filme é Aruanda”. Mas NUCI era uma abstração que funcionou bem, porque o pessoal ligado a temática sexual mais quente, acabou usando o NUCI para fazer as coisas, filmes que lotavam 3, 4 sessões por dia.

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

​

 

 

___________________________________________

 

FONTES​ - ENTREVISTAS

​

GOMES, João de Lima. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 01 de abr. 2016.

​

MAGALHÃES, Henrique. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 23 de mar. 2016

​

NUNES, Pedro. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 17 de maio 2016.

​

VILAR, Marcus. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 08 de abr. 2016

​

​

Cinema Indireto

em Debate 

​

CINEMA INDIRETO

 PEDRO NUNES  
 JOÃO DE LIMA 
 MARCUS VILAR 
 HENRIQUE MAGALHÃES 

Revista digital sobre o Terceiro Ciclo de Cinema Paraibano, ocorrido no Estado da Paraíba entre os

anos de  1979 e 1985. A revista Bitola-8, orientada pelo professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Pedro Nunes Filho, foi desenvolvida para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social - UFPB

Elaborada pelos futuros jornalistas Arthur Morais e Jéssica Sales, o trabalho desenvolvido na revista Bitola-8 permitiu explorar três paixões em comum aos dois estudantes: revistas, jornalismo cultural e cinema.

QUEM ESCREVE

Universidade Federal da Paraíba 

Centro de Comunicação Turismo e Artes

Departamento de Jornalismo

​

Banca Examinadora: 

​​

Professor Phd Pedro Nunes Filho

Professor Dr. Bertrand de Souza Lira

Professor Me. José Everaldo de Oliveira Vasconcelos 

​

​

Confira uma seleção de artigos, dissertações e livros online que abordam o Terceiro Ciclo de Cinema da Paraíba.

bottom of page