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Terceiro Ciclo de Cinema da Paraíba

Da polêmica com o Super-8 às rupturas cinematográficas

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por, Arthur Morais 

A câmera Super-8 na Paraíba chega com marcas de renovação, uma alternativa às bitolas profissionais de cinema, que usavam filmes de 35mm e 16mm. Esse equipamento se tornou popular por causa da sua mobilidade e possibilidade gravar o som diretamente na câmera, inovação que dispensava a mobilização de uma grande equipe de produção, simplificando e barateando a realização de filmes.

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Após uma crise de produções cinematográficas que se intensificou com o golpe militar em 64 –  e todos os seus desdobramentos econômicos e sociais –, a produção de filmes na Paraíba minguou. Filmar em 35mm ou 16mm era caro, demandava a aquisição de equipamentos, de filmes virgens, de profissionais para trabalhar na produção e de dinheiro.

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O Super-8 surge nesse cenário, como uma solução para quebrar o jejum na produção local, que tinha Aruanda (1960), como uma das  últimas referências cinematográficas da Paraíba. O professor e pesquisador Pedro Nunes, autor da dissertação Violentação do Ritual Cinematográfico (1988), classifica a bitola de Super-8 como ideal para aquela conjuntura e destaca que o processo de miniaturização da tecnologia está quase sempre associado ao determinante econômico.

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Ao mesmo tempo em que preenche um vácuo, o Super-8 modifica o fazer cinematográfico, porque a partir daquele momento o realizador filmava, montava e exibia... mantendo uma relação muito próxima, totalmente autoral, com o filme. Isso também gerou os processos de agitação cultural, visto que os filmes superoitista não eram exibidos nos circuitos tradicionais de cinema, deixando-os restritos às mostras cinematográficas alternativas, circuitos nas escolas, bairros, associações comunitárias, sindicatos e apropriação desses filmes por lideranças dos movimentos sociais.

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​Sobre a câmera, o cineasta e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Bertrand Lira, autor de filmes superoitistas, comenta que era, de fato, um equipamento comercializado e muito utilizado para gravar eventos familiares, viagens e até mesmo para assistir sínteses de filmes, ou seja, um produto atrelado ao entretenimento.

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Por outro lado, Bertrand afirma que a bitola de Super-8 foi a sua base como cineasta, porque ela, mesmo sendo acessível, custava dinheiro e a cautela para não desperdiçar o obrigou a usar as películas com parcimônia. “Eu acho que o que influenciou mais foi a questão do cuidado de selecionar melhor os planos, os ângulos, saber exatamente o que a gente queria filmar”, assegurou.

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Todo esse processo começa lentamente, ao longo da década de 1970, com o aparecimento espaçado de produções com a bitola de Super-8 e foi através de Gadanho (1979), filme dirigido por João de Lima e Pedro Nunes, que ocorreu a intensificação das produções com a mini-bitola.

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O pesquisador e professor do curso de cinema da UFPB Fernando Trevas justifica a utilização do Super-8 em razão da sua portatibilidade e compactação. O referido pesquisador e a professora do curso de Antropologia da UFPB Lara Amorim, idealizaram em 2013 um projeto intitulado Cinema Paraibano: Resgate e Preservação (2013), com o objetivo de resgatar a memória desse ciclo cinematográfico. Durante a realização do projeto, um total de 88 filmes em super-8 e quatro em 16mm foram digitalizados.

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Sobre esses filmes, Fernando Trevas destaca a ousadia temática que marcou as produções. Segundo o professor, é interessante observar como já nos anos de 1980 temas que haviam sido deixadas de lado ou que ainda não haviam sido abordados, assumiram o protagonismo e continuam atuais. “A questão da sexualidade, a questão da denúncia, da miséria do Nordeste brasileiro, que é exemplificado em Gadanho, no auge da ditadura militar em que o Brasil vivia um empobrecimento enorme da população e que serve até hoje para se discutir”, destacou.

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Cinema Direto e o debate acerca do uso do Super-8

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Após Gadanho, a produção paraibana se intensificou, a UFPB por meio de uma acordo com a Associação Varan, de Paris, e com a criação do Núcleo de Documentação Cinematográfica (NUDOC), em 1979, conseguiu investimento para a compra de equipamentos cinematográficos e promoveu cursos de Cinema Direto.

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Na acepção de Fernando Trevas, o Cinema Direto é uma técnica cinematográfica que usa o som direto na câmera, sem a necessidade de um gravador para fazer a sonorização. “O que o Cinema Direto valoriza é a questão do som direto, que é fundamental para o documentário”, explica. No entanto, o professor reconhece que há aspectos dessa técnica cinematográfica que podem ser debatidas, “você tem aí algo que é subjetivo, é inerente ao realizador”, completa.

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O professor da UFPB e coordenador do NUDOC, João de Lima, co-autor de Gadanho, vê o Cinema Direto dentro de uma proposta humanitária porque se trata de uma vertente do gênero documentário que valoriza a relação do cineasta com a pessoa ou objetivo filmado e isso era bastante discutido nos cursos ministrados pela Varan. Entretanto, essa vertente do cinema documental, que determina a mínima interferência do realizador na cena filmada, deixa de lado características importantes do documentário: a inserção de documentos, de provas que legitimem ou se contraponham ao tema que esteja sendo trabalhado no filme.

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Considerando que o Super-8 possuía a gravação sonora direto na câmera, ao trabalhar dentro da filosofia do Cinema Direto, não faltava motivos para os jovens cineastas utilizarem a mini-bitola. Ela facilitava, dispensava grandes equipes de trabalho e o cineasta poderia imergir na cena filmada com menos chances de interferência externa.  

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Foi por meio desse equipamento amador que o Cinema Direto se difundiu na Paraíba e, aliado à tradição documentarista do Estado, visto que muitos dos professores da UFPB na época do Super-8 haviam participado ativamente do Segundo Ciclo de Cinema (leia mais na editoria Flashback), formou uma gama de profissionais que produziram significativamente nos anos de 1980 e alguns deles trabalham profissionalmente com cinema até hoje em dia, como Bertrand Lira, Marcus Vilar, Torquato Joel, João de Lima, dentre outros.

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Na época de instalação do curso de formação em Cinema Direto na UFPB, estava acordado entre a Universidade e a Associação Varan a realização de um curso em duas fases na Paraíba; inicialmente utilizando o super-8 e posteriormente em 16mm, porém apenas a primeira etapa do acordo foi cumprida plenamente.

 

O cineasta Marcus Vilar, que participou do curso no Brasil e viajou três vezes à França para completar outra etapa da formação, explicou que os franceses perderam o interesse pelo Brasil e não renovaram o convênio, restringindo as aulas na Paraíba ao Super-8. Com a finalização do convênio entre os franceses e a UFPB, os únicos participantes que tiveram contato com a filmadora profissional 16mm através da Varan foram os que viajaram até a capital francesa.

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De acordo com Marcus, tanto aqui no Brasil, quanto na França, o governo francês bancava todos os gastos. Nos estágios na Europa, pagavam passagem, hospedagem, uma bolsa de dois mil francos (na época maior que o salário mínimo francês) e auxílio para comprar livros. O cineasta desconfia que o fim do convênio girou em torno dos gastos. “Eu acho que foi uma tomada de posição do governo, de que não era mais necessário investir tanto nessa área e parou, houve um corte”, explicou.

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A grande polêmica com o uso do Super-8 vinha da geração anterior, que iniciou na década de 1960 e fazia cinema em 35mm e 16mm (filmes profissionais) e viram o Super-8 como um retrocesso.  Conforme o pesquisador e professor da UFPB Henrique Magalhães, que foi um cineasta atuante no período superoitista, a geração do Cinema Novo considerava irrelevante às realizações em Super-8 porque não tinha como escoar as produções para os cinemas. “Para aquele grupo de cineastas mais antigos, da década de 1960, que inclusive alcançaram renome nacional, isso aí era uma brincadeira, não era cinema verdadeiro, mas apenas um exercício cinematográfico”, afirmou.

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João de Lima frisa que o Cinema Direto mudou a cara das produções paraibanas e deu início a uma realização intensa de filmes, com temáticas diversas, gerando um agitado debate acadêmico em torno disso, tirando de foco, naquele momento, o cinema da geração de 1960, que até então era a referência mais concreta da cinematografia paraibana. “Eu acho que eles se sentiram um pouco deslocados no meio dessa conversa toda, de repente começou a acontecer muita coisa, era filme para caramba. Teve um ano que nós tivemos 23 filmes produzidos, quando é que a gente tinha essa possibilidade? Eram películas, não era vídeo não, que tinha uma agilidade maior nesse sentindo”, explicou João.

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Produção de Campina Grande

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No ano de 1974, em Campina Grande, é fundado do Curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), atual Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), que serviu para reunir entusiastas cinematográficos da região. Nomes como José Umbelino, Romero Azevedo, Rômulo Azevedo compõem o quadro de participantes do curso, mas é o fotógrafo Machado Bittencourt que consegue desenvolver uma produção regular, a maioria realizada em 16mm, envolvendo o Curso de Comunicação e a atividade da sua produtora: Cinética Filmes. Entre as produções realizadas por Machado Bittencourt destacam-se nesse período: O Último Coronel (1975); Campina Grande: da Prensa de Gutemberg, da Prensa do Algodão (1975); Crônica de Campina Grande (1976); Maria Coragem (1977); Fiação Primitiva do Nordeste (1978); Teares de São Bento (1979). Na década de 1980, enquanto na capital do Estado acontece uma intensa produção em Super-8, o cineasta segue na linha de produção cinematográfica com as películas: A Seca no Cariri (1983) e Miguel Guilherme (1983).

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Renovação do quadro cinematográfico – Reinvenção do modo de produção

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De acordo com o pesquisador e professor Pedro Nunes, que também vivenciou o período em questão, durante a produção da maioria dos filmes do Terceiro Ciclo de Cinema predominou o espírito de grupo e as pequenas equipes de filmagem. O autor define duas formas de trabalho utilizadas na época: o cinema de autor e a experiência participativa.

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Na primeira, o realizador escolhe uma ideia e compartilha ela com um grupo de pessoas interessadas para discutirem o tema antes da filmagem. Segundo Pedro Nunes, no cinema de autor há o cuidado de repassar as informações técnicas para cada interessado em produzir filmes. Na montagem das obras, havia a participação dos componentes dos filmes que davam sugestões e debatiam o material filmado. As discussões se estendiam às exibições, que findavam sendo experiências únicas porque os debatedores mudavam a cada sessão.

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Utilizando a experiência participativa, como o nome sugere, o processo de criação e filmagem era feito coletivamente. “Escolhido o tema e definidas as etapas, os integrantes votam e discutem os passos que vão sendo realizados. Quando não há pessoas para o manuseio da câmera ou montagem, elege-se um fotógrafo que vivencia o processo para experiência conjunta”, escreve Pedro Nunes. Um exemplo disso são os filmes de direção coletiva como Baltazar da Lomba (1981), do Grupo Nós Também – que busca reconstruir o primeiro caso de repressão homossexual na Paraíba; e Greve na UFPB (1982) – registro do apoio dos alunos do curso de Cinema Direto à greve dos servidores e docentes da Universidade.

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Os anos de 1981, 1982 e 1983 (confira o infográfico na seção Zoom) formam o período de maior produção do período superoitista no Estado e Pedro Nunes divide sistematicamente as realizações do período em duas fases. A primeira reúne filmes com caráter mais documental, um cinema engajado, que é importante sobretudo para o registro de acontecimentos locais, tendo em vista que não exista nenhuma emissora de televisão na Paraíba que documentasse greves, protestos ou simplesmente registrasse as belezas naturais e culturais do Estado. A segunda fase é caracterizada pelo rompimento de padrões, tanto os estéticos do cinema, quanto aqueles que estavam inerentes na sociedade da época e oprimiam, junto com a ditadura militar, o que o que o governo considerasse obsceno e imoral, como o debate acerca da sexualidade.

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No campo da animação cinematográfica, a mini-bitola concedeu a um grupo de jovens admiradores dos quadrinhos, formado por Robério Soares, Henrique Magalhães, Cirstovam Tadeu, Emir Ribeiro, Deodato Borges, Deodato Filho, dentre outros, a possibilidade de realizar experimentações em produções animadas,  que ganham forma através do filmes Shifazum e Bolha, de Roberto Soares; Amor Ecológico (1979), de Alberto Júnior; Maria (1981), de Henrique Magalhães.

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Cinema paraibano como agente social

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Diferentemente do engajamento social encontrado nas produções paraibanas dos anos da década de 1960, no ciclo superoitista o cenário desses filmes muda, sai a problemática da seca, do campo e o cenário urbano ocupa às telas das exibições que ocorriam nas escolas, nos bairros, nos festivais e nos cineclubes locais. A temática dos filmes está bem mais próxima do realizador, na mesma conjuntura. Consequentemente, alguns dos personagens retratados pelas lentes dos então jovens cineastas paraibanos podiam se ver nas projeções, tinham acesso ao produto final.

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Como já afirmamos, o processo se iniciou com o filme Gadanho – antes do convênio com a Associação Varan –, e ao filmar os catadores do Lixão do Roger, em João Pessoa, os autores realizaram uma exibição do filme para as pessoas que foram personagens na obra. João de Lima contou que durante a projeção os catadores ficaram mais interessados em se ver no filme, do que em fazer alguma análise crítica sobre a situação degradante em que viviam, muitas vezes até se alimentando do lixo.

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Outros exemplos semelhantes a Gadanho são Registro (1979) e Contrapontos (1980), ambos de Pedro Nunes; A Greve (1983), direção coletiva; Quando um Bairro Não se Cala (1982) e Abril (1984), ambos de Marcus Vilar. Esses filmes, de acordo com Pedro Nunes, quando eram exibidos nas ruas, nos locais de filmagem ou nas escolas, provocavam impacto nos espectadores porque os temas retratados nessas produções eram muito próximos de quem os assistia. 

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A produção de Elisa Cabral Tele-Visões (1984), que foi lançada num período de dispersão do período superoitista, mas ainda pelo NUDOC, questiona seus personagens sobre como eles se sentem ou o que eles acham que acontece ao serem filmados. O filme discute a imersão da televisão nos moradores da Usina Santana, zona rural de Santa Rita, e revela que o principal acesso deles à cultura fora daquela realidade é por meio da televisão. Pedro Nunes registra que o curta-metragem Tele-visões faz parte de um projeto de Elisa Cabral chamado Cinema e Sociologia, que ainda incluem os filmes: O Ciclo do Caranguejo (1982), Visões do Mangue (1983), Sobre a Evolução das Sociedades (1983), As Etapas do Capitalismo (1984) e Arte e Classes Sociais (1985). Outros exemplos de filmes que abordam questões sociais  são As Cegas (1981), de Antônia Maria; Bernadete (1982), de Maria Graça Lira, O Menor (1983), de João Galvíncio Jr. e O Mestre de Obras (1981), de Newton Araújo Jr, dentre outros.

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De acordo com o autor do documentário Renovatório (2007), Francisco Sales de Lima Segundo, durante o estudo para produção do vídeo, a maior parte das produções do Terceiro Ciclo de Cinema é oriunda da parceria do NUDOC/UFPB com a Varan, seguindo a ideologia do Cinema Direto. Sales observou que os filmes É Romão pra qui é Romão pra colá (1981), de Vania Perazzo e Festa de Oxum (1982), de Everaldo Vasconcelos são exemplos de películas que utilizaram perfeitamente as diretrizes do Cinema Direto.

 

Sobre as produções da referida vertente do cinema documental no NUDOC/UFPB, Pedro Nunes observa que vários desses filmes não foram exibidos em circuitos alterativos por se tratarem de exercícios que envolviam o aprendizado sobre o Cinema Direto. Francisco Sales destaca ainda no seu documentário os filmes de Cinema Indireto que tiveram uma ampla repercussão no Estado, a exemplo do filme Closes (1982), Paraíba Masculina Feminina Neutra (1982), dentre outros.

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Mesmo tendo um quantitativo significativo de filmes que refletiam a natureza do Cinema Direto, os cursos sobre esta modalidade cinematográfica não eram rígidos a ponto de limitarem a liberdade dos realizadores de tentarem algo mais ousado. Henrique Magalhães, afirma que havia um direcionamento para trabalhar com o documental, com a realidade local, sob uma visão etnográfica e antropológica. “Uma parte das pessoas que fizeram estágio em Cinema Direto tinha outra ansiedade, que era de também trabalhar com ficção. O que fizemos foi romper um pouco com a proposta documental do Cinema Direto para fazer algo que misturasse o documental com o ficcional”, declarou.

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Era Vermelho Seu Batom (1983), de autoria de Henrique, brinca com a ficção dentro do Cinema Direto ao unir a filmagem do desfile do bloco de carnaval Virgens das Trincheiras, que ocorria na Baía da Traição, Litoral Norte da Paraíba, com a ficção sobre uma relação homoafetiva. No filme o autor atua como um dos personagens e a história gira em torno do preconceito dentro do próprio segmento homossexual, retratado pela rejeição sofrida pelo protagonista ao se vestir de mulher para brincar o carnaval.

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Outros exemplos de filmes de alunos do curso de Cinema Direto que fugiu um pouco das diretrizes dele foram: Perequeté (1981), de Bertrand Lira, um documentário curta-metragem que conta a história do ator homossexual Francisco Marto, conhecido como Perequeté; e Imagens do Declínio ou Beba Coca, Babe Cola (1980), uma parceria de Bertrand Lira com Torquato Joel Lima, produzido através de apoio do programa Bolsa-Arte da UFPB. Perequeté foi pioneiro, sendo uma das primeiras produções paraibanas a retratar a homossexualidade, mudando a corrente temática que era trabalhada na Paraíba. Em Imagens do Declínio, os autores buscam contrastar a imagem da Coca-Cola com a pobreza da periferia de João Pessoa, criticando o capitalismo; o filme retrata um problema social e inova na forma como foi construído. Outros filmes desse ciclo vão tratar de forma mais aberta as questões que abordam a homossexualidade.

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Bertrand Lira cita Sagrada Família (1981), de Everaldo Vasconcelos, como outro filme que fugiu dos padrões do Cinema Direto. O filme é sobre a família do cineasta, o pai dele tinha problemas com alcoolismo e ele expôs os conflitos familiares na obra. “É Cinema Direto porque ele entrevista a família, pergunta, tenta fazer a família falar, mas também é um documentário do tipo performático, porque fala também do próprio diretor, fala de um universo que está muito próximo e íntimo dele. Eu acho que é um filme pioneiro não só na Paraíba, mas também no Brasil, do documentário performático”, assegurou. Para Pedro Nunes, Sagrada Família e Perequeté são os filmes mais amadurecidos dos três estágios do curso de cinema direto realizado na UFPB.

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Everaldo Vasconcelos conta que o filme foi o encerramento do primeiro curso que ele fez na Varan e aproveitou uma situação pessoal para usar como tema. O filme começa com o pai do autor chegando em casa embriagado e o cineasta vai conduzindo a embriaguez do pai até um momento em que a imagem vira, repentinamente, e mostra um outro momento dele, sóbrio, varrendo o quintal, cenário totalmente avesso ao do início. “Através do Cinema Direto, elegi ele como personagem para mostrar que aquele homem que se figurava mau naquele sentimento, era um homem bom”, explicou.

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Inspirado na história do livro O médico e o monstro, de R. L. Stevenson, Everaldo Vasconcelos disse que tudo foi muito bem pensado, apesar da situação do pai dele e das regras do Cinema Direto, a filmagem foi calculada para ele obter aquela construção narrativa. O filme é um dos poucos do NUDOC que, originalmente, não tem letreiro, porque o autor não queria criar juízo de valor nos espectadores com o título.

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Subversão: abordagem da sexualidade

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Além de enfrentar o preconceito da geração anterior com o uso do Super-8, o próprio Cinema Direto sofreu críticas na Paraíba. De acordo com Bertrand Lira, o professor Pedro Santos, responsável pela introdução desta vertente cinematográfica no Estado, enfrentou críticas em relação a filosofia e diretrizes do Cinema Direto.

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Um dos principais críticos dessa vertente do cinema documental era o professor emérito Jomard Muniz de Britto. Jomard, como define Pedro Nunes, em uma entrevista realizada em 1985 (confira na íntegra na editoria Pontos de Vista), é um poeta irreverente que segue na contramão dos acontecimentos. Oriundo da geração cinematográfica dos anos da década de 1960, o cineasta é pernambucano e foi preso pela ditadura, vindo lecionar na UFPB com o abrandamento do regime militar. Na Paraíba, deixou sua marca cinematográfica com o Super-8, criticando as vertentes do Cinema Direto através da criação do Núcleo de Cinema Indireto (NUCI), uma clara paródia à técnica francesa. O NUCI usou e abusou do experimentalismo, produzindo filmes que misturavam o documental com o ficcional e abordavam questões consideradas tabu na década de 1980, como a sexualidade (leia mais sobre o assunto na seção Primeiro Plano).

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Para Jomard Muniz de Britto, oriundo de uma geração tropicalista, não existe padrões a serem seguidos quanto o assunto é cinema; a prova dissa é o legado cinematográfico dele, inclusive sua curta filmografia paraibana que é composta pela trilogia Esperando João (1981), Cidade dos Homens (1982) e Paraíba Masculina Feminina Neutra (1982), todos filmados em Super-8, com temática sobre a sexualidade e em sua maioria ficcionais, que estabelecem diálogo com o gênero documentário.

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Pedro Nunes é outro cineasta do período superoitista que não seguiu o fluxo da maioria dos realizadores daquela fase, trilhou o caminho que permitia mais liberdade na produção dos filmes.

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O grande sucesso do período superoitista, tanto de público quanto de crítica é o filme Closes (1982), de autoria dele. Closes é um curta-metragem que mescla ficção/documentário e é reconhecido internacionalmente. Abordando questões que envolvem a sexualidade e quebrando noções pré-construídas sobre a homossexualidade. O filme registra como esse tema sobre o afeto entre homens era tratado na sociedade mais conservadora de algumas décadas atrás. Reunindo depoimentos de populares e pessoas mais esclarecidas, o curta é um registro histórico que ajuda no resgate e inovação do cinema paraibano, sobretudo com a utilização do som sincrônico, novidade na época graças ao Super-8.

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Referência para uma época que sucedeu um grande jejum na produção de filmes paraibanos, tanto pelos empecilhos da ditadura, quanto pelos gastos dispendiosos para se produzir cinema profissionalmente, o documentário responde a crítica local, tanto de cineastas da geração anterior, quanto de jornalistas conservadores que não consideravam o Super-8 como cinema.

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Rompendo os padrões e inovando do ponto de vista cinematográfico, o doc-ficção torna a discussão da homossexualidade ainda mais ampla, ao utilizar-se também da ficção e abordar o relacionamento amoroso entre dois homens homossexuais e retratar as consequências que eles sofreram ao assumir publicamente essa relação.

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Mesmo sendo uma referência do Cinema Indireto com Closes e não tendo participado do curso da Varan, Pedro Nunes, usa técnicas que são do Cinema Direto nos filmes Registro (1979) e Contrapontos (1980), ambos de sua autoria. Na película Registro (1979), por exemplo, não há um narrador e o filme é feito a partir do som captado; há o depoimento do líder estudantil, as passeatas, as manifestações.

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Independentemente da técnica utilizada nos filmes, o saldo mais importante desse período, de acordo com Fernando Trevas, foram as temáticas contestadoras abordadas nas produções: a sexualidade, o menor de idade, o trabalho, as questões agrárias e urbanas, entre outras. Todo o trabalho produzido, segundo o pesquisador, serve como um panorama para comparar a sociedade dos anos 80 com a de hoje a partir do recorte dado pelos cineastas. Eles obtiveram relevância na história do cinema paraibano produzindo filmes que incomodaram a sociedade, películas não foram conformistas. “Não existe, na minha visão, uma arte alheia à sociedade, porque ela tem que dialogar com alguém, como se dá esse diálogo é a questão. Se ela não dialoga ela não existe”, concluiu Trevas.

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 FONTES 


AMORIM, Lara; FALCONE, Fernando Trevas (Orgs.). Cinema e Memória - O super-8 na Paraíba nos anos de 1970 e 1980. ed. UFPB, João Pessoa. 2013.

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LIRA, Bertrand. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 01 de abr. 2016.

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BRITTO, Jomard Muniz. Entrevista concedida a Pedro Nunes. Recife, 06 out.1985.

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FALCONE, Fernando Trevas. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 21 de mar. 2016.


GOMES, João de Lima. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 01 de abr. 2016​.

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MAGALHÃES, Henrique. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 23 de mar. 2016.

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NUNES, Pedro. Violentação do Ritual Cinematográfico: Aspectos do cinema independente na Paraíba – 1979-1983. São Paulo. 1988. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) Universidade Metodista de São Paulo.

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RENOVATÓRIO, Direção: Francisco Sales, 2007. 20min. Son, Color.

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VASCONCELOS, Everaldo. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 08 de abr. 2016.

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VILAR, Marcus. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 08 de abr. 2016.

PLANO GERAL

Para aquele grupo de cineastas mais antigos, da década de 1960, que inclusive alcançaram renome nacional, isso aí [a utilização do Super-8] era uma brincadeira, não era cinema verdadeiro, mas apenas um exercício cinematográfico"

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Henrique Magalhães 

CLOSES (1982) - PEDRO NUNES

Revista digital sobre o Terceiro Ciclo de Cinema Paraibano, ocorrido no Estado da Paraíba entre os

anos de  1979 e 1985. A revista Bitola-8, orientada pelo professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Pedro Nunes Filho, foi desenvolvida para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social - UFPB

QUEM ESCREVE

Elaborada pelos futuros jornalistas Arthur Morais e Jéssica Sales, o trabalho desenvolvido na revista Bitola-8 permitiu explorar três paixões em comum aos dois estudantes: revistas, jornalismo cultural e cinema.

Confira uma seleção de artigos, dissertações e livros online que abordam o Terceiro Ciclo de Cinema da Paraíba.

Universidade Federal da Paraíba 

Centro de Comunicação Turismo e Artes

Departamento de Jornalismo

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Banca Examinadora: 

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Professor Phd Pedro Nunes Filho

Professor Dr. Bertrand de Souza Lira

Professor Me. José Everaldo de Oliveira Vasconcelos 

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