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As obras cinematográficas realizadas durante o Terceiro Ciclo de Cinema marcaram o retorno da produção de filmes na Paraíba. Com a utilização da técnica do Cinema Direto, aliada às facilidades da câmera Super-8, a prática introduzida no Estado pelo francês Jean Rouch, através do convênio estabelecido entre o Núcleo de Documentação Cinematográfica (NUDOC) e o Centro de Formação em Cinema Direto de Paris, alterou a dinâmica de realização de filmes na Paraíba, influenciando na formação de uma nova geração de cineastas. 


Os participantes desta interlocução comentam suas experiências durante o Curso de Cinema Direto, relembrando os principais questionamentos e polêmicas que envolveram este período: o amadorismo da câmera Super-8, as escolhas temáticas e as contestações feitas pelos cineastas da geração anterior.


Os convidados para a entrevista foram: Bertrand Lira, professor do Curso de Mídias Digitais e cineasta, autor de Perequeté (1981); Pedro Nunes, professor do Curso de Comunicação e pesquisador, realizador de Closes (1982); Henrique Magalhães, professor do Curso de Mídias Digitais e pesquisador, diretor de Era Vermelho o Seu Batom (1982); João de Lima, professor do Curso de Comunicação e coordenador do NUDOC, co-autor de Gadanho (1979); e Marcus Vilar, cineasta, realizador de Do Oprimido ao Encarcerado (1982).

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Bitola-8: Como surgiu a parceria entre a UFPB e o Centro de formação em Cinema Direto em Paris? De que maneira essa parceria contribui para a produção cinematográfica local?


 João de Lima:  O que  acontece é que havia no cenário brasileiro, como ainda existe hoje, uma quantidade enorme de festivais. O festival da Bahia, chamado Jornada Internacional de Cinema da Bahia, era a jornada que atraía gente do mundo todo e como o coordenador da jornada era um cara que tinha estudado na antiga Checoslováquia, hoje República Tcheca, tinha muito contato com o material do pessoal ligado ao leste europeu, aos países da guerra fria do lado Russo. E a gente tinha muito acesso ao pessoal de esquerda, como os próprios franceses que vinham aqui, eles tinham um pensamento de esquerda muito legal e uma cultura cinematográfica sólida, porque a França foi um país que criou praticamente as bases do documentário mundial. Iriam fazer esse evento lá na Bahia, mas aí rolou uma encrenca política e o pessoal disse: 'aqui vocês não fazem esse festival'; então conhecendo um amigo que ele tinha no Rio de Janeiro, Cosme, que é amazonense, mas que sempre teve muito força no cinema de esquerda e no pensamento mais humanitário, disse: 'vamos fazer lá na Paraíba'.

 

A Paraíba já tinha toda uma história com relação ao cinema, pessoas que trabalhavam na área de literatura e cinema, já tinha um Museu de Imagem e do Som, ligado ao projeto de extensão. Por que não fazer lá? O reitor na época era um cara muito empreendedor, não podia ver uma brecha, um convênio internacional e já cai em campo. Na época, já tinham quase 80 universidades cooperando com a UFPB. Quando os franceses chegaram, ele não pôde perder essa.  E o próprio francês que veio para assinar o convênio, que ia assinar na Bahia, veio para Paraíba. Na época, só de equipamento foram quase 80 mil francos de doação, a vinda de três, quatro franceses aqui, fluxo de cinema internacional, o privilégio de conseguir 13 bolsas completas, com passagem de avião, seguro médico, habitação, porque a gente ficava instalado lá, acesso a Cinemateca Francesa e ao grupo do Rouch, que veio originário de outra universidade. Então assim, foi bom, embora no começo eles quisessem fazer igual foi em Moçambique, só em Super-8, mas a gente pressionou um pouquinho e teve um curso em 16mm, porém a ideia inicial era só fazer Super-8.  


 Marcus Vilar:  Voltando um pouco no tempo na década de 1960, a Paraíba já tinha uma tradição forte de cinema, com documentários importantes como Aruanda (1960) e documentaristas como Vladimir Carvalho e Linduarte Noronha (que apesar de ser pernambucano veio para cá e começou a fazer cinema na Paraíba), uma gama de cineastas que fizeram bastante filme na década de 1960. Houve um vácuo em 1970 causado pela da ditadura militar, inclusive muitos cineastas saíram do Estado por conta da perseguição. Apesar dessa lacuna no cinema paraibano, algumas pessoas continuaram produzindo, nomes como Umbelino Brasil, Machado Bitencourt, Romulo Azevedo e Romero Azevedo, todos de Campina Grande. No final da década de 1970, em 1979 para ser mais preciso, foi criado o Núcleo de Documentação Cinematográfica (NUDOC), a criação desse espaço abriu as portas para o surgimento de uma nova geração de cineastas paraibanos. A partir daí houve o convênio com o governo Francês na linha do Cinema Direto, esse convênio foi criado junto com o NUDOC, nomes como o professor Everaldo Lucena (pró-reitor da UFPB na época), Paulo Melo (assessor do então reitor Lynaldo Cavalcante), foram fundamentais para que isso fosse possível, foram eles que, com o apoio da Jornada Internacional de Cinema da Bahia, intermediaram o convênio entre o NUDOC e o Ateliê Varan.

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 Bertrand Lira:  Contribuiu muito, apesar de ter pessoas que não concordavam. Na verdade, não é que elas não concordassem com essa forma de produção, é que os diretores mais antigos achavam que o Super-8 não era uma bitola profissional. E para gente, para formar pessoas jovens era interessante, mas para eles, que já tinha produzido alguma coisa em película 16mm ou 35mm, era um retrocesso. Eles esperavam que esse acordo entre o NUDOC e o Ateliê Varan tivesse resultado na compra de equipamento mais profissionais, aliás equipamento profissional, eles não consideravam o Super-8 um equipamento profissional.  Era muito mais amador, o Super-8 era uma câmera que as pessoas usavam para gravar eventos familiares, viagens e as vezes até para ver síntese de filmes.

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​​​​Bitola-8: Como foi fazer parte do curso de Cinema Direto?

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 Henrique Magalhães:  Foi fantástica a experiência de ter a possibilidade de ir a Paris, para fazer a sequência do estágio que nós já tínhamos começado aqui. Inicialmente, os franceses vieram para instalar o Núcleo de Cinema Direto com equipamentos deles, foi um acordo feito entre a Universidade e a Varan e em seguida alguns que fizeram o estágio foram fazer uma sequência na França, um aperfeiçoamento. Lá teve vários significados, a aprendizagem de cinema documental foi muito importante. Mas também a descoberta de um novo mundo, de outra cultura.  Eu nunca tinha saído do país, foi a primeira vez. Foi fundamental para fazer outros projetos futuros, como meu doutorado. 


 Marcus Vilar:  A primeira vez que fui fazer o curso de Cinema Direto eu tinha 25 anos, era completamente inexperiente no campo do cinema. Gostava de ver filmes, mas não era um cinéfilo ainda, não tinha uma visão crítica. Ir a França ter a possibilidade de manusear uma câmera, filmar, fazer exercícios, foi incrível.  Eles nos ensinavam a manipular os equipamentos, ter uma noção básica de luz e som, nós íamos à rua filmar e na volta tinha um debate em cima do que havia sido produzido naquele momento. Está em contato com uma cultura diferente da minha, ter a possibilidade de assistir obras de grandes cineastas como espanhol Luis Buñuel, conhecer cineclubes, a cinemateca e o Centro Cultural Francês foi fundamental para minha formação enquanto cineasta.

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 Bertrand Lira:  Para nós que fizemos parte foi uma experiência muito proveitosa. Naquele momento, que surgiu o ateliê de Cinema Direto no NUDOC, nós só tínhamos uma câmera no Curso de Comunicação. Era uma câmera de Super-8 e a usamos para fazer um curta-metragem: Beba Coca, Babe Cola (1980), que eu fiz com Torquato Joel. Depois disso, nós não sabíamos quando iriamos produzir outro filme, mas com a concretização desse estágio, surgiu a oportunidade de trabalhar com a linguagem do documentário, ler sobre documentário e também realizar, porque o curso era bem prático, tinha pouca teoria.

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Bitola-8: Havia divergência em relação ao Cinema Direto na Paraíba?

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 João de Lima:  O Cinema Direto era uma proposta mais humanitária, no sentindo de que é um documentário que você tem muita conversa sobre o outro, alteridade, a questão do cineasta e da pessoa filmada, tudo isso é muito conversado. Então, como no começo o pessoal que tinha uma vivência, uma origem mais tropicalista, como Jomard Muniz de Brito, ficou muito incomodado; porque do ponto de vista do que poderia ser criado com o invento do Cinema Direto, com a entrada do Cinema Direto aqui, seriam jovens começando a estudar e quanto mais gente falava sobre esse assunto, menos se falava sobre o cinema tropicalista e as coisas brasileiras. Mas aí é natural... pessoas ligadas a coisas mais experimentais ficaram muito chocadas, porque do nada você começa a ter pulso dentro de uma determinada linha, de uma formação focada, no fundo ninguém discorda de um cinema mais humanitário.


 Henrique Magalhães:  Sim, alguns cineastas da fase do cinema novo consideram o Cinema Direto como sendo irrelevante, porque a gente trabalhava com a bitola super-8, e ela era uma bitola amadora que não tinha como circular nos cinemas, para aquele grupo de cineastas mais antigos da década de 1960, que alcançaram até renome nacional, isso ai era uma brincadeira. Não era cinema verdadeiro, mas era um exercício cinematográfico. Por outro lado, alguns professores e alunos, também questionavam o formato do Cinema Direto, que era um formato mais ou menos antropológico de gravar a realidade sem interferir. Eles achavam que isso era impossível, porque se você começa a filmar, está mudando a realidade com sua presença, com seu projeto de filme. Então eles achavam que não era interessante, os que não participavam achavam que não era interessante esse tipo de cinema, porque não tinha muito rigor metodológico. 
 


 Bertrand Lira:  Jomard Muniz de Britto era um professor que tinha a divergência dele em relação ao Cinema Direto, não era contra a questão da bitola, porque ele mesmo usava, fazia seus filmes com o Super-8, só que trabalhava muita ficção e cinema documental.  Mas essa coisa de Jomard é muito interessante, foi mais um desentendimento entre o professor Pedro Santos, que foi o grande articulador desse convênio na Paraíba e ele, por conta de uma crítica que Pedro fez a um dos filmes de Jomard, então ele ficou muito magoado. Eu lembro de um discursão deles durante um debate em sala de aula, e a partir daí Jomard começou a chamar de Cinema Indireto, que o cinema que ele fazia era Cinema Indireto, em oposição ao Cinema Direto, que era o cinema documental ensinado nas oficinas e nos estágios do NUDOC.

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Bitola-8: No curso de Cinema Direto havia alguma limitação temática imposta por seus idealizadores?


 Henrique Magalhães:  Não sei se havia uma limitação, mas havia um direcionamento para trabalhar com o documental, trabalhar com a realidade local. É uma visão etnográfica, antropológica da realidade. Só que uma parte das pessoas que fizeram estágio no curso de Cinema Direto, tinha outra ansiedade, que era de também trabalhar com a ficção. O que nós fizemos foi romper um pouco com o rigor do Cinema Direto de fazer documentário, para fazer alguma coisa que misturasse o documental com o ficcional. 


 Marcus Vilar:  De maneira alguma, lembro que quando fiz o curso a primeira coisa que fizemos foi sair à rua para exercitar, com qualquer tema que nós escolhêssemos. Na época eu fiz sobre a rodoviária nova que tinha acabado de ser construída, foi uma escolha minha, não lembro de ninguém me dizendo qual temática eu deveria escolher. No fim do curso acabei fazendo um filme baseado na tese de uma professora daqui da universidade, que era sobre Paulo Freire e quando fui fazer o curso na França, eles nos informaram que era preciso escolher um tema, mas não teve nenhum tipo de interferência.


 Bertrand Lira:  Eles não impunham temática nenhuma, lógico que sempre procuravam falar do social, mas vários personagens foram temas. Eu trabalhei com um ator homossexual e bailarino. Everaldo Vasconcelos fez um filme sobre a família dele, com mãe e o pai que tinha problemas com álcool, era uma família com problemas, foi muito corajoso esse filme que ele fez, Sagrada Família (1981). Ele fez um filme sobre a própria família, foi bem inovador nesse sentindo, porque na época ninguém pensava em fazer um filme sobre a própria família. Eu até vou fazer um trabalho agora para um congresso sobre esse filme. É Cinema Direto porque ele entrevista a família, pergunta, tenta fazer a família falar, mas também é um documentário do tipo performático, porque fala também do diretor, fala de um universo que está muito próximo e íntimo dele. Eu acho que é um filme pioneiro não só na Paraíba, mas também no Brasil do documentário performático. â€‹â€‹â€‹â€‹â€‹â€‹â€‹â€‹â€‹â€‹â€‹â€‹â€‹â€‹â€‹â€‹â€‹â€‹

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FONTES - ENTREVISTAS

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GOMES, João de Lima. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 01 de abr. 2016.

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MAGALHÃES, Henrique. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 23 de mar. 2016

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LIRA, Bertrand. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 01 de abr. 2016.

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VILAR, Marcus. Entrevista concedida aos autores. João Pessoa, 08 de abr. 2016

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Cinema Direto

em Debate 

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CINEMA DIRETO

 BERTRAND LIRA 
 JOÃO DE LIMA 
 MARCUS VILAR 
 HENRIQUE MAGALHÃES 

Revista digital sobre o Terceiro Ciclo de Cinema Paraibano, ocorrido no Estado da Paraíba entre os

anos de  1979 e 1985. A revista Bitola-8, orientada pelo professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Pedro Nunes Filho, foi desenvolvida para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social - UFPB

Elaborada pelos futuros jornalistas Arthur Morais e Jéssica Sales, o trabalho desenvolvido na revista Bitola-8 permitiu explorar três paixões em comum aos dois estudantes: revistas, jornalismo cultural e cinema.

QUEM ESCREVE

Universidade Federal da Paraíba 

Centro de Comunicação Turismo e Artes

Departamento de Jornalismo

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Banca Examinadora: 

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Professor Phd Pedro Nunes Filho

Professor Dr. Bertrand de Souza Lira

Professor Me. José Everaldo de Oliveira Vasconcelos 

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Confira uma seleção de artigos, dissertações e livros online que abordam o Terceiro Ciclo de Cinema da Paraíba.

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